terça-feira, junho 19, 2007

Quando o conhecimento ocupa lugar

A minha avó costumava ouvir um programa de rádio a cargo das Irmãs Paulinas chamado “O saber ocupa lugar”. O título do programa de divulgação de literatura religiosa dessa mesma editora assentava portanto na contradição do adágio “O saber não ocupa lugar”. E ainda tinha o mérito de possibilitar o trocadilho da estação de rádio: “O saber ocupa lugar aqui no PEF, não sei quantos AM, outros tantos FM, todas as terças-feiras às dez horas da manhã com a Irmã X.”
“O saber não ocupa lugar”. Percebo perfeitamente o provérbio popular, quanto mais conhecimento se tiver/cultivar, melhor para nós, para o futuro, sobretudo dos mais novos. Sim. Até concordo.
Mas o saber ocupa lugar. Reafirmo. Há um espaço limitado para armazenamento do saber. Creio. Ou antes, segundo a actual compartimentação do cérebro – ou seja, de acordo com o que conhecemos actualmente – a área da memória difere da das emoções, que difere da da aprendizagem, que difere de outras tantas. Existe portanto uma área mais ou menos especifica para cada tipo de informação a processar pelo cérebro, o que me leva a pensar se o “espaço em disco” não será efectivamente limitado, advindo do extravasamento desse “espaço” (em disco) reservado para cada área, as depressões, os esgotamentos, as obsessões, os complexos, os comportamentos anti-sociais… etc. Enfim… teorias minhas.
Tenho uma amiga que se pergunta constantemente como é que atrai pessoas tão emocionalmente complexas para o seu grupo de amigos, quando ela não o é de todo. Não percebo porque se questiona. Já lho disse. Acho que todos atraímos aquilo de que (mais) temos medo. Sempre.
Pessoalmente, atraio para o meu grupo de amigos pessoas muito diversas. Ainda não percebi bem qual o critério, qual o denominador comum. Suponho que é por considerá-los todos (note-se que são poucos) boas pessoas. Mas, de algum tempo a esta parte, também pelas funções que exerço, dou-me com uma série de pessoas com peculiares características comportamentais que têm, todas, em comum o facto de serem extraordinariamente inteligentes. Pessoas que lêem vinte jornais de grande tiragem (como o NY Times, o El Mundo, o Le Fígaro) online diariamente; que têm conhecimentos suficientes para comparar a política do Médio-Oriente, pasta ministerial por pasta ministerial, com a dos países nórdicos; que sabem de cor toda a rede viária dos EUA; que conhecem a fauna e a flora da Nova Zelândia; os escândalos político-económicos de países como o Burquistão e afins. Pessoas com formação na mesma área que eu. Pessoas admiráveis. Pessoas que só dormem quando têm tempo. Saber mais é que é realmente essencial. Pessoas que só tomam banho quando se lembram. Pessoas que conseguem fazer um trabalho de semanas ou meses, numa ou duas noites, em que trabalham non-stop. Pessoas que olham para todos os sítios possíveis e imagináveis excepto para a cara do interlocutor. Pessoas que falam muito rápido, coçam a cabeça, o pescoço, o braço. Pessoas com uma agitação interior profunda. Pessoas de que gosto muito, admiro sobretudo. Pessoas que percebo. Pessoas que investem demasiado em determinadas áreas em detrimento de outras. Não porque achem que isso lhes é suficiente para se imporem nas outras, não. Não creio. São boas pessoas. Realmente boas. O saber tem uma imensa bondade subjacente. Cada vez mais me apercebo disso. As pessoas mesquinhas são as mais pequeninas. Em saber também. Como alguém que me disse que ia desistir de uma aula porque o professor é… Mas, … ele sabe tanto! Disse eu. Sí, mas és tan abhorrido!
Que justificação tão ridícula. Pensei. Somos tantos os aborrecidos, lentos, monótonos, nestas áreas! Por questões de personalidade. Por questões de prioridade. Somos, são, somos, és, é, sou, somos. É. Assim. Como com os meus amigos, os que atraio agora e com quem me dou. E gosto. Falam de tudo. Mais ou menos interessantemente, mais ou menos monotonamente. Mas nunca lhes reconheci qualquer tipo de subjectividade maldosa. O saber enciclopédico que alojam é tendencialmente objectivo. Encantadores, apesar de e sobre tudo.

6 comentários:

Anónimo disse...

Adoro pessoas incrivelmente inteligentes. Há lá coisa mais estimulante para o intelecto...! Adoro!

100 remos disse...

Tens a resposta lá no meu cantinho...Bjocas

Doppelganger. disse...

"Em antes"de tudo (como diz a minha avó),obrigado pelo comment simpático e por ajudares na pressao à Fraquinha...lol

Acho que o saber simplesmente ocupa o espaço que deve ocupar, eu não sou assim tão inteligente, mas acho que algo a que chamam QI, dizem que não é ilimitado, mas que dá para diferenciar os mais inteligentes, sóbrios, intelectuais, génios da resolução de problemas, pessoas que num cálculo complexo e rápido sabem a distância entre Vila das Aves e Madeira em linha recta, daqueles que dizem "Ah, e tal, o prof. é chato e não consigo fazer porque não me queo dar ao trabalho".

Eu também vejo muitos filmes, e se reparares os cientistas, por exemplo, normalmente são sempre opostos ou são pessoas genuínas e distraídas mas de coração puro, ou são autÊnticos monstros possuídos pelo poder. Acredito piemente na 1ª, até porque acho que a falta de afecto as torna assim, sei lá, digo eu.

Quanto ao meu grupo de amigos, é tudo gente boa, mas de vez em quando há aqueles parasitas, os qu são ocos interiormente mas são de boa índole. Mas pessoas simples, porque também sou de meios simples. "Farm Pride", XD.

jinhos

Joana disse...

O meu primeiro comentario vai para a Rosario: DESCULPA8! Apaguei sem querer o teu comentario, estava a fazer muitas coisas ao mesmo tempo ... E concordo contigo. De facto tambem conheco pessoas que utilizam o conhecimento como objecto de arremesso. O Ensino Superior em Portugal esta cheio deles. Ponderei seriamente sobre isso quando decidi enveredar por este caminho. Conviver com pessoas assim nao e facil. :)

Cientista,

;)

Guevara,

Por acaso num dos paragrafos que retirei, senao ficava muito longo o post, emitia a mesma opiniao que tu e ate utilizava o mesmo termo, ipsis verbis, afectos. :P Boa sorte com a fraquinha!

Cemremos,

Ja la vou!

Jinhos a todos.

Oásis disse...

O intelectual, ao saber enciclopédico objectivo deve sempre juntar uma boa dose de actividade crítica.
A respeito da missão do douto revisitada, ando a ler um livro de Umberto Eco, de nome "A passo de caranguejo", em que ele cita Bobbio: "Aprecio e respeito aquele que age correctamente sem pedir garantias de um mundo melhor e sem esperar prémios nem nomeações. Só o bom pessimista está em condições de agir com a mente desimpedida, com a vontade firme, com sentimento de humildade e plena devoção à sua tarefa."
E Umberto Eco conclui: "Parece-me ser esta a missão do douto revisitada."

Beijinhos

p.s.: não sou intelectual, nem douta (isto dito de uma forma muito objectiva).

Joana disse...

Orquidea,

Es mais DOUTA do que muitas pessoas que conheco, acredita!