quinta-feira, junho 07, 2007

Três

Entraram os três. Sentaram-se os três. Trabalham juntos, pensei. Só isso justificava aquele agrupamento.

Explico: três homens completamente diferentes. À primeira vista, na idade e da roupa. Apenas. Um teria quarenta e alguns anos, risca ao lado, um bigode imenso, dentes separados, camisa e calças escuras, mas leves, cinza talvez. Português típico, nortenho ainda mais típico, um palavrão ou dois por cada frase, em média. O outro era o calado. Sentou-se ao lado do primeiro, teria mais de trinta anos, era alto e magro, vestia normalmente, camisa leve e clara, calças de ganga ou sarja, que hoje está muito calor, já às sete e meia da manhã. O terceiro era o mais novo e estava sentado em frente ao primeiro. Suponho que teria a minha idade, mais ou menos. Não consigo precisar porque estes óculos que há agora, os dele, de lentes verdes, repescados dos anos 70 (será?), tapavam-lhe demasiado a cara. Porque era muito magro também, demasiado magro, e muito moreno. E muito arranjado. Também. Quase metro. Crista discreta, gel no cabelo, brinco, anel, mega relógio, terço ao pescoço, jeans e camisola rosa. Vá, o rapaz esforça-se. Tenho que lhe conceder isso.

Depois deste breve, e maldoso, pensamento estético, voltei à Maria do Rosário Pedreira, que agora não há viagem de comboio sem livro na minha semana. Voltei, para pouco depois regressar ao banco dos três. E não pela quantidade, crescente, de palavrões, nem sequer pelo teor da conversa – o nosso bom português lidou muito mal com o facto de a mulher ter passado pelo trauma da iminência da morte devido a um cancro – a ver pela palavrinha do mais baixo dos registos de língua com que designava a mulher, a ver pelo substantivo de natureza fisiológica, baixo também, que adpunha aos nomes dos tratamentos; bem… a ver pela totalidade amarga do discurso, impregnado de expressões despiciendas, baixas, extremamente desagradáveis. Não foi por isso, mas devido a isso. Voltei-me para o rosto sumido por detrás dos óculos de sol. Era-me difícil acreditar. Porque é mais cómodo estar calado. Como o segundo, o trintão. Como eu. No meu canto.

Mas o representante da minha faixa etária, esse, não só ouvia com atenção as lamúrias brejeiras do mais ancião, como ainda lhe ia respondendo. Que sim, que entendia, que já tinha vivido uma história idêntica, mas com um final bem diferente, muito mais trágico, que essas coisas acontecem, mas que o futuro é hoje, que então faz ela muito bem, que a hidroginástica faz bem, dá saúde e prolonga a vida.

É bonito. Dá vontade de lhe dar um beijinho só porque sim ou então ao menos um sorriso – de admiração.

Às vezes a vida pode ser cor-de-rosa. De um rosa suave e fresco que brota de dentro, do rosa que o rapaz de rosto sumido no meio dos óculos envergava em cada frase, do mesmo rosa da t-shirt lavada, larga, sobre o corpo magríssimo.

4 comentários:

Fernando disse...

Já aqui não vinha há algum tempo, li alguns dos posts ali em baixo e fiquei confuso... Tu tiraste Direito na UM ou é só um chato que acha que isso aconteceu?! Não sei porquê julgava-te ligada às Ciências Exactas...

Joana disse...

Ciências Humanas, Letras. Presentemente num terceiro ciclo de Línguística.

Isso de "Direito na UM" é uma line que o dito tem na ponta da língua.

Jinhos.

Erecteu disse...

É do c'a casa gasta :)
Tem d'haver pachorra.

Joana disse...

E.,

Ora nem mais. ;)

Jinhos.