Ele tinha que ir tirar fotografias. Não me disse nada até acabarmos o gelado, sabes onde posso tirar uma meia dúzia daquelas do tipo passe, eu, sei lá, está bem mas vens comigo, vou, fui, era Verão, e eu queria muito deixar-me ficar na esplanada, o sol fazia-me cócegas no fundo da perna e eu, olhos fechados, quase adormecia naquele langor, mas, vou, não tenho nada para fazer, vou, fui.
Mesmo em frente, bastou-nos atravessar a rua, um fotógrafo. Não nos demorámos muito na montra, nos preços e nas modalidades. Entrámos, ele disse o que pretendia e o senhor mandou-o subir. Sorri-lhe que ficava cá em baixo à espera. O senhor surpreendeu-se e achando que me tinha excluído sem querer, muito sem querer, disse: a namorada também pode subir, venha também, menina.
Extrordinariamente, nunca fomos a lado nenhum sem que se supusesse que éramos namorados. Mais ou menos verbalizadamente, mais ou menos directamente. Eu sempre a corar, a tentar explicar mais ou menos esforçadamente que não, ele a rir-se, a pedir-me para não me esforçar, a repetir para eu não pensar, que se eu pensasse menos talvez, talvez não tivesse que. Ele era muito pragmático. E risonho.
Gostava de ser espelho de mim. Gostava de poder sair fora de mim para me olhar. De fora. Gostava muito de me ver, de ver como sou quando estou com as pessoas. Gostava de perceber por que razão toda a gente achava naquela altura que. Gostava muito.
Especialmente porque agora, de manhã, estas manhãs, se chegamos os dois, quando chegamos os dois, ela olha para o lado, ela suspira, ela enjoa, ela recusa-me o sorriso e até os bons-dias. Quando me olha, das vezes que me olha, é calada, rosto fechado, uma acusação aberta nos olhos, uma acusação que prefiro nem tentar descortinar. Das outras vezes, em dias bons, sorri-me, replica os meus bons-dias, mas só em dias bons, só em dias que lhe são bons porque nós, só quando chegamos separadamente.
As pessoas são engraçadas. Perdem demasiado tempo. A tirar medidas, a verificar estilos, a perguntar-se porquês inúteis, quando já não têm os meus vinte anos daquele Verão. As pessoas perdem tempo, demasiado, a desgostar e a desgostar-se. As pessoas perdem, o que resta não chega, pouquíssimo tempo a abrir o coração ao outro, a tentar a felicidade.
Acredite ela ou não, os nossos pequenos-almoços não têm nada de extraordinário, se bem que o café cheio e garrafa de água para a minha manhã, e o café curto e copo de água para o gole, único, dele, isso bem que, mas fora isso, de extraordinário, nada. Eu tomo o pequeno-almoço no mesmo sítio sempre. Ele apercebeu-se e vem. Vem muito, é verdade. Vem quase sempre. E eu, verdade também, não o sacudo para fora da mesa; divirto-me com as tiradas ‘geniais’ dele, do-estado-crítico-e-caótico-e-sem-remédio-do-mundo, e ele, com os meus devaneios oníricos, as minhas teorizações idealistas, suponho. (Cá entre nós, eu e a minha esperança!) Claro que saímos do café sempre bem-dispostos, eu mostro mais, eu e a minha transparência!, certamente mais que ele, sei, ele tem demasiado sono sempre, e rir custa-lhe um bocadinho, além de não estar habituado – o mundo é tão mau, não há nada para rir na conjuntura actual, já viste como agora tão facilmente se, e tem sono, sempre – já disse?, pelo que os músculos da cara têm que estar acordados para se movimentarem, certo?, e sendo de manhã... é de manhã, não se devia trabalhar de manhã, sabes, como é que tu, isso é que eu não entendo.
Um dia espero que ela perceba que, nesse dia talvez possamos enfim tomar o pequeno-almoço sossegados, eu pelo menos, sabendo que ao chegarmos os dois, ela, ninguém se sentirá quadrado.
Mesmo em frente, bastou-nos atravessar a rua, um fotógrafo. Não nos demorámos muito na montra, nos preços e nas modalidades. Entrámos, ele disse o que pretendia e o senhor mandou-o subir. Sorri-lhe que ficava cá em baixo à espera. O senhor surpreendeu-se e achando que me tinha excluído sem querer, muito sem querer, disse: a namorada também pode subir, venha também, menina.
Extrordinariamente, nunca fomos a lado nenhum sem que se supusesse que éramos namorados. Mais ou menos verbalizadamente, mais ou menos directamente. Eu sempre a corar, a tentar explicar mais ou menos esforçadamente que não, ele a rir-se, a pedir-me para não me esforçar, a repetir para eu não pensar, que se eu pensasse menos talvez, talvez não tivesse que. Ele era muito pragmático. E risonho.
Gostava de ser espelho de mim. Gostava de poder sair fora de mim para me olhar. De fora. Gostava muito de me ver, de ver como sou quando estou com as pessoas. Gostava de perceber por que razão toda a gente achava naquela altura que. Gostava muito.
Especialmente porque agora, de manhã, estas manhãs, se chegamos os dois, quando chegamos os dois, ela olha para o lado, ela suspira, ela enjoa, ela recusa-me o sorriso e até os bons-dias. Quando me olha, das vezes que me olha, é calada, rosto fechado, uma acusação aberta nos olhos, uma acusação que prefiro nem tentar descortinar. Das outras vezes, em dias bons, sorri-me, replica os meus bons-dias, mas só em dias bons, só em dias que lhe são bons porque nós, só quando chegamos separadamente.
As pessoas são engraçadas. Perdem demasiado tempo. A tirar medidas, a verificar estilos, a perguntar-se porquês inúteis, quando já não têm os meus vinte anos daquele Verão. As pessoas perdem tempo, demasiado, a desgostar e a desgostar-se. As pessoas perdem, o que resta não chega, pouquíssimo tempo a abrir o coração ao outro, a tentar a felicidade.
Acredite ela ou não, os nossos pequenos-almoços não têm nada de extraordinário, se bem que o café cheio e garrafa de água para a minha manhã, e o café curto e copo de água para o gole, único, dele, isso bem que, mas fora isso, de extraordinário, nada. Eu tomo o pequeno-almoço no mesmo sítio sempre. Ele apercebeu-se e vem. Vem muito, é verdade. Vem quase sempre. E eu, verdade também, não o sacudo para fora da mesa; divirto-me com as tiradas ‘geniais’ dele, do-estado-crítico-e-caótico-e-sem-remédio-do-mundo, e ele, com os meus devaneios oníricos, as minhas teorizações idealistas, suponho. (Cá entre nós, eu e a minha esperança!) Claro que saímos do café sempre bem-dispostos, eu mostro mais, eu e a minha transparência!, certamente mais que ele, sei, ele tem demasiado sono sempre, e rir custa-lhe um bocadinho, além de não estar habituado – o mundo é tão mau, não há nada para rir na conjuntura actual, já viste como agora tão facilmente se, e tem sono, sempre – já disse?, pelo que os músculos da cara têm que estar acordados para se movimentarem, certo?, e sendo de manhã... é de manhã, não se devia trabalhar de manhã, sabes, como é que tu, isso é que eu não entendo.
Um dia espero que ela perceba que, nesse dia talvez possamos enfim tomar o pequeno-almoço sossegados, eu pelo menos, sabendo que ao chegarmos os dois, ela, ninguém se sentirá quadrado.
9 comentários:
As pessoas são engraçadas. Perdem demasiado tempo. A tirar medidas, a verificar estilos, a perguntar-se porquês inúteis, quando já não têm os meus vinte anos daquele Verão. As pessoas perdem tempo, demasiado, a desgostar e a desgostar-se. As pessoas perdem, o que resta não chega, pouquíssimo tempo a abrir o coração ao outro, a tentar a felicidade.
outch! outch! outch!
pronto. era isto que queria dizer: oh menina, tens toda a razão! :)
e:
Gostava de ser espelho de mim. Gostava de poder sair fora de mim para me olhar. De fora. Gostava muito de me ver, de ver como sou quando estou com as pessoas. Gostava de perceber por que razão toda a gente achava naquela altura que. Gostava muito.
eu também, confesso. acontecem-me muitas vezes estes episódios em que me tomam sempre pela namorada de alguém (o meu irmão incluído!!). muito estranho. vá-se lá saber porquê. um espelho vinha mesmo a calhar, né? :p
quanto a ti, eu acho que sei o que é: esse sorriso contagiante derrete qualquer um! eheheheh! (ups! grande comentário!)
beijinho*
Vanessa,
É do sorriso, certamente.
Se a menina diz... é que a menina é que tem sorriso mais-mais . que eu conheço! :P
Aha!
Jinhos.
"As pessoas perdem tempo, demasiado, a desgostar e a desgostar-se. As pessoas perdem, o que resta não chega, pouquíssimo tempo a abrir o coração ao outro, a tentar a felicidade."
Eu tento tantas vezes "abrir o coração ao outro", tento dar oportunidades a corações que combatem o meu, mas ás vezes é tão dificil, mas tão dificil! Acho que o outro lado ainda não percebeu que as pessoas se merecem, acima de tudo, as pessoas merecem-se!
E não deixes de sorrir, nem de ter esse teu jeito amável de lidar com os outros, mesmo que isso te possa trazer uma situação menos boa, tens muito mais a ganhar do que a perder. :)
Um beijinho*
[e desculpa a seca :P]
Frida,
Estás coberta de razão. :))))))))
As pessoas merecem-se e, algumas, muitas, não percebem.
(E nós esforçamo-nos por (de)mo(n)strar-lhes, e parece que quanto mais o fazemos, mais elas nos fogem. Eu sei. Mas vamos fazer o quê? Não sabemos ser (felizes) de outra maneira... :)))))) )
Estás coberta de razão. :))))))))
E nunca me dás seca(s). Nunca. Pelo contrário, dás-me muita esperança. Muita. :)))
Jinhos, Rita.
Há pessoas que nao serao nunca capazes de entender a proximidade de outras. Muita gente espera que se apague o passado sentimental, a amizade incluso quando surgem na vida dos outros muito tempo depois. Como se fossem uma daquelas borrachas verdes com risca branca da Faber Castell e pudessem apagar o sulco de carvao de um pueril lápis. Nao podem. É isso, as pessoas perdem tempo, demasiado, a desgostar e a desgostar-se. A tentar impôr a sua personalidade até (ou especialmente) a quem amam, a domesticar pessoas e sentimentos, a adoptar a vida copy/paste da maioria. Nao há tempo para essas pessoas.
K.,
Não há tempo... nem pachorra! :P para essas pessoas...
Jinhos, Diogo.
P.S. Essas borrachas verdes já tiveram o seu tempo de glória, agora borram mais do que apagam... Não há nada como as brancas, da Faber Castell também... ;)
Tens razao, a primeira borracha que antes tínhamos era sempre a verde Faber Castell, mas da segunda em diante eram sempre as brancas. As verdes com a risca branca eram como muito boa gente... só fogo de vista.
PS: Aquelas azuis e vermelhas também era uma barraca. Cada vez que tentava apagar tinta de caneta com essa borracha rasgava as folhas! :D
K.,
As azuis e vermelhas... pois! :P
Também me lembro, tentava apagar com tanta força que... (por acaso não rasgava as folhas mas...) partia a borracha: quadradinho azul para um lado, rectângulo vermelho para o outro... Como com as borrachas nas pontas dos lápis... bem, só agora me ocorre que dispendia muita, porventura demasiada, força no apagar... Hélas! Agora não se apaga nada. Fica tudo marcado. Orgulhosamente. Como as rugas.
:D
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