Acabei de me ver há dez anos atrás.
Acabei de ver uma rapariga igual a mim há dez anos. O mesmo andar, o mesmo cabelo – nem sabia possível –, a roupa, a mala do ombro e a outra – a mala-bigorna –, tudo. I-gual-zi-nha. Parou a olhar os livros da exposição aqui em frente, parou o suficiente para eu me dar conta das evidências, abrandou com o meu abrandar de passo antigo, com o meu interesse por tudo, total e intacto, bonito, de há dez anos, abrandou a olhar os livros.
Não sei agora para que ala da Biblioteca borboleteou, emaranhei-me no tudo que era há dez anos e esqueci-me dela e das horas, da fome e do resto.
Foi pior do que quando vejo um adolescente – e estou sempre vê-los. Quando vejo um adolescente, daqueles que têm asas, dobram cadernos A4 de capa preta para caberem nos bolsos traseiros dos jeans, e escarnecem da vida, fico sempre a pensar na manta da minha avó sobre a minha cadeira de baloiço à janela do escritório.
Um dia perdi o coração e comprei uma cadeira de baloiço para poder chorar melhor. Trazê-la para dentro custou-me horrores, arranjar-lhe um recanto só nosso, foi fácil, demasiado até. Coloquei-a amorosamente voltada para a rua, para o sol dos dias, para um choro iluminado. Não se pensa quando se chora, pensa-se antes, muito, pensa-se depois, um bocadinho, mas chorar, chorar mesmo, o chorar de dor torrencial, sofrido, afasta o pensar – parece-me. De qualquer dos modos, uma coisa sucedeu à outra um dia sem mais – diria eu naturalmente.
Há um tempo em que se é maior que a vida de felicidade. Quase total. Um tempo em que não nos preocupamos com as horas, a casa, as regras, a roupa, o cabelo, o conforto, as poupanças, as doenças, os pais, os objectivos, o futuro. É o tempo em que se é adolescente, não importa a idade que tenhamos. Há esse tempo. E depois há todo o resto.
Acabei de ver uma rapariga igual a mim há dez anos. O mesmo andar, o mesmo cabelo – nem sabia possível –, a roupa, a mala do ombro e a outra – a mala-bigorna –, tudo. I-gual-zi-nha. Parou a olhar os livros da exposição aqui em frente, parou o suficiente para eu me dar conta das evidências, abrandou com o meu abrandar de passo antigo, com o meu interesse por tudo, total e intacto, bonito, de há dez anos, abrandou a olhar os livros.
Não sei agora para que ala da Biblioteca borboleteou, emaranhei-me no tudo que era há dez anos e esqueci-me dela e das horas, da fome e do resto.
Foi pior do que quando vejo um adolescente – e estou sempre vê-los. Quando vejo um adolescente, daqueles que têm asas, dobram cadernos A4 de capa preta para caberem nos bolsos traseiros dos jeans, e escarnecem da vida, fico sempre a pensar na manta da minha avó sobre a minha cadeira de baloiço à janela do escritório.
Um dia perdi o coração e comprei uma cadeira de baloiço para poder chorar melhor. Trazê-la para dentro custou-me horrores, arranjar-lhe um recanto só nosso, foi fácil, demasiado até. Coloquei-a amorosamente voltada para a rua, para o sol dos dias, para um choro iluminado. Não se pensa quando se chora, pensa-se antes, muito, pensa-se depois, um bocadinho, mas chorar, chorar mesmo, o chorar de dor torrencial, sofrido, afasta o pensar – parece-me. De qualquer dos modos, uma coisa sucedeu à outra um dia sem mais – diria eu naturalmente.
Há um tempo em que se é maior que a vida de felicidade. Quase total. Um tempo em que não nos preocupamos com as horas, a casa, as regras, a roupa, o cabelo, o conforto, as poupanças, as doenças, os pais, os objectivos, o futuro. É o tempo em que se é adolescente, não importa a idade que tenhamos. Há esse tempo. E depois há todo o resto.
12 comentários:
"Um dia perdi o coração e comprei uma cadeira de baloiço para poder chorar melhor. (...)"
Este parágrafo que escreveste está perfeito, sem menosprezar os outros, obviamente. Apenas me identifiquei mais com ele, porque acho que é mesmo verdade que quando choramos, chorar mesmo, não pensamos em nada; a dor incapacita-nos de pensar.
[sabes que tive e ver os voos, naquela data, para aquele sítio, e está pouco mais de 50 euros ida e volta :P..acho que é uma tentação!] :)))
Beijinho*
E de repente, um simples sopro de vento, suave e permanente sentimos o chão fugir debaixo de nós. A cadeira de baloiço, inerte procura o vazio do tempo. Se uma lágrima rola na nossa face, crescemos nos sentimentos, imploramos aos céus os porquês do momento, dos momentos em que na nossa solidão estamos tão dependentes... e queremos e desejamos ser crianças outra vez para sentir a ternura quente da infância e a doçura maternal que nos acalenta.
um arrepio do princípio das costas até ao fundo que voltou a subir até passar dos ombros para os dedos que agora te escrevem num arrepio.
... tu, tu...
*
beijo grande, Jo-ana*
Já deixei de ser adolescente, mas era tão bom voltar a ser adolescente. passar o dia fazer baboseiras, e a dize-las também.
Agora se voltasse há dez anos atras não era muito díficil. è facil ver um miudo gordinho, na altura baixinho, acarinhado e mimado pela mãe, com complexos de inferioridade por ser mais gordinho, e por ser menos talentoso do que os outros.. vejo hoje, e penso que se calhar, não foi assim tão mau ser gordinho, baixinho, filho de mamã e com pouco talento (ou então escondido) no bolso, porque fez de mim o que sou hoje, um jovem dado aos pais, liberto e sonhador, e com ideais de esquerda dos quais não me arrependo. :)
Beijinho*
Frida,
Também acho que esse parágrafo está perfeito. :)))))))))))))))))))))))))
(50 euros, ida e volta, a sério? Não tenho desculpas para não ir então. :P Estiveste a ver os voos... para mim? Aiiiiii, Rita... :****************)
Loo Rock,
Leu-me a alma.
Ana,
Pois... eu sei. :*****************
Pedro,
Para mim hás-de ser sempre adolescente, tu e a tua menina, ainda ontem lhe disse isso. Acho que para mim toda e qualquer pessoa que tenha nascido aí por alturas da minha (mana) mai nova é adolescente. :P Para mim hás-de o ser sempre, eras quando começaste a passar por cá, adolescente e lindo por dentro e por fora.
Jinhos a todos.
É verdade! OS voos estão a 1.99€, com as taxas ficam por 50 e pouco...Acho que não tens mesmo desculpa ;)) E sim, senti que devia procurar, porque há coisas que devemos fazer mesmo...
Beijinho*
Frida,
Cobertíssima de razão. :)))))))))))
O meu muito obrigada com vénia.
Jinhos.
Ser adolescente foi um período um bocado estranho. Nao sabia lá muito bem que era nem o que queria ser, só sabia que gostava de ser sempre assim. Era um pouco como viver dentro da letra do Forever Young dos Alphaville. :))
K.,
Parece-me que ainda o és. A-do-les-cen-te! :P
E - proeza das proezas! :P - vives dentro de palavras. Para mim, pelo menos.
(Possivelmente vivemos todo-nós-alguns, um pouco, sei lá...)
Jinhos.
"Há um tempo em que se é maior que a vida de felicidade. Quase total. Um tempo em que não nos preocupamos com as horas, a casa, as regras, a roupa, o cabelo, o conforto, as poupanças, as doenças, os pais, os objectivos, o futuro."
isso, um arrepio
O tempo deveria ser sempre esse, mesmo fora da adolescência_ o tempo de não haver propriamente tempo (apenas presente)
...
bj
Quando era miuda queria ser grande. Ser adolescente foi o realizar desse sonho. E nessa altura quis parar o relógio nos cadernos pretos, nas conversas no pátio da secundária, nas confidências passadas em papelinhos às escondidas da prof. E também se sofria horrores nesses tempos. Era o despertar para as primeiras perdas e desilusões.
Hoje sentada na minha cadeira de baloiço,tenho uma imensa saudade de tudo isso. Sorrio quando penso nos medos de então, tão diferentes do de hoje. Crescer é isso mesmo, mudar de medos.
Intruso,
O tempo é esse. :)))))
"o tempo de não haver propriamente tempo (apenas presente)", João. SIM!
Maria da Lua,
"Crescer é isso mesmo, mudar de medos."
Como me leste bem!
Jinhos a ambos.
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