quarta-feira, fevereiro 04, 2009

Da proximidade

A proximidade é uma coisa estranha.

No comboio senta-se muita gente ao meu lado, à minha frente, em frente mas ao lado, em frente-em frente. Varia muito, tanto quantas as pessoas que, por alguma razão, mais ou menos prática e habitual, mais ou menos extemporânea, se decidem sentar ali. Dantes não era assim. Era certo. Pelo menos o informático: todos os dias entrava às sete e trinta e cinco naquela paragem e vinha sentar-se ali, arrumava as coisas em cima e sentava-se. Em frente e ao lado. Todos os dias. Era certo. Certinho. Mesmo com o colega. Mesmo quando o colega também vinha. Depois, depois a minha mãe ficou doente e eu estive meses fora daqui, longe de comboios; depois regressei, depois ele também, mas só e de vez em quando; depois eu permaneci e ele deixou de vir, cá para a frente pelo menos; depois, agora, vem, só, sem o colega, mas com uma menina e sentam-se ambos lá atrás, lá muito atrás. Agora, por isso também, varia. Agora, ontem, uma senhora sentou-se à minha frente, em frente, - lugar perigoso!, eu já devia saber - e estava constipada, daquele constipado muito tússico, garganta muito seca e ouvidos muito a tinir, e, sem mãos, com elas coladas ao interior dos bolsos, deviam estar geladas, coitada, tossia-me perdigotos de constipação-tússica-e-oto-qualquer-coisa para cima. Nem as quinhentas páginas das cartas da Frida Khalo me serviram de escudo, eu bem queria...

As pessoas que começam o dia às sete e meia da manhã, terminam-no às seis e pouco, reencontrando-se todas – incrivelmente! – nesse comboio. Todas e mais algumas – as que começam o dia às oito e meia da manhã, desconfio. Desse grupo há dois rapazes que me desesperam um bocadinho. Pcs ao colo riem-se muito, muito alto, des-bra-ga-da-men-te, de tudo o que eu não sei e que o écran lhes devolve. Maldosamente, lembram-me muito o americano típico que faz do sofá e de programas de televisão mais ou menos rasos o seu planeta pessoal, aquele “jeitoso-preguiçoso” que está eternamente à espera de uma miúda que o salve e enquanto não, vai deixando roupa, louça por lavar e comida de há séculos espalhados por todo o lado junto com duas ou três frases absolutamente inoportunas – são um bocadinho parvinhos, é... – que, para viver, se vê obrigado a articular. Há dois mais ou menos assim. Mas um já se apercebeu dos meus olhares desesperados para ler em sossego ou, pelo menos, para encostar a cabeça ao banco e fechar os olhos e deixar-me ir até onde o ipod me levar, e até tenta comportar-se; o outro não. Até há dias. Há dias o outro, sozinho, sentou-se à minha frente, mesmo em frente, e, a determinada altura, achou que era hora de mudar de pé de apoio e cruzar a perna. Tudo bem. Se não me tivesse dado um valente pontapé no joelho! Doeu, mas o que doeu mais foi o auto-controlo que fui buscar não sei bem onde para amainar as desculpas vermelhas-como-um-tomate e tão desesperadas do rapaz e não desatar a rir. “Não tem mal, acontece, então, não se preocupe, eu vou sobreviver.” Não consegui aligeirar o desconforto do rapaz, e queria muito, ganhou-me, ganhei-lhe simpatia, a ele e até ao outro, eles que agora até se sentam nas imediações e riem baixinho.

Mas nem é desta proximidade que eu queria falar. Queria dizer de uma que se sente, só às vezes, e só com algumas pessoas. Daquela de quando uma pessoa vem e fica assim ao lado e nem diz nada e no entanto há um calorzinho bom, quase palpável, daqueles que lembram um colo em que apetece descansar ao fim do dia, mesmo quando não é o fim do dia, e ainda assim apetece, só um bocadinho, só a cabeça, daqueles que se sente tanto, quase vê, nos poucos centímetros que nos separam. A proximidade é uma coisa extraordinária.

8 comentários:

K. disse...

Já senti essa proximidade de que falas. Já a senti inclusivamente quando a distância era de muitos milhares de kilometros. Além de extraordinária, é uma coisa curiosa, a proximidade.

Joana disse...

K.,

Eu sei.

Antes e depois de ter escrito isto, pensei nisso mesmo.

Jinhos.

Oásis disse...

A proximidade quando existe a distância física... acho que também é cumplicidade.
Seja como for, percebi e adorei (e confesso q também me ficou a apetecer um pouco de proximidade agora)

Jinhos.

Maria Rita disse...

Eu também sou capaz de sentir a proximidade a distâncias enormes. Aliás, todos os dias o faço, e posso dizer que não tem de ser menos bom do que quando estamos realmente próximos, fisicamente. Acho que é aqui que nos pomos á prova, que vemos do que realmente somos capazes de sentir cá dentro, apesar de tudo o que nos separa todos os dias.

Beijinho*

Ouriço-Cacheiro disse...

um dia destes tenho de apanhar esse comboio...

Joana disse...

Marisa,

Embora inicialmente não me tivesse ocorrido, acabei o texto a pensar, entre outras pessoas, em TI sabes?

Frida,

Eu sei que sim. Vi logo! :))))))
E isso é tão bom, tão bonito e tão difícil! (então, para vocês que são tão jovens...) O que me faz sempre pensar que não andamos tão mal de humanidade, como às vezes me quer parecer. ;)

Ouriço,

Acho bem. Acho muito bem. Sai às 7h 25m de Porto São Bento, chega às 8h 15m a Braga. :))))))))


Jinhos a todas.

Rui Caetano disse...

A proximidade vive no nosso mais íntimo sentimento. Ela está ali, a nos lembrar, a cada instante, a nos chamar em cada um dos nossos olhares.

Joana disse...

Rui,

E que bom, quando é assim!...

Jinhos.