sexta-feira, março 24, 2006

ALIENUS, -A, -UM (ADJ.) – ESTRANGEIRO, ESTRANHO, DIFERENTE

Um dia destes tive a oportunidade de contactar via net com uma pessoa que conhecia de vista e admirava bastante. O tempo ia passando, íamos falando e eu até gostava do rapazito. Achava-lhe graça. Era de uma loucura encantadora. Ou seja, fazia on a regular basis (e faz ainda com certeza!...) tudo aquilo que eu às vezes penso que gostava de ter feito quando tinha a idade dele… Não faço ideia do que lhe possa ter passado pela cabeça, que expectativas, que esperanças alimentou ao longo desse tempo em torno dos meus/seus sentimentos e/ou da minha pessoa/personalidade… O que é facto é que de um momento para o outro forçou, literalmente, uma saída do meu/nosso mundo; o que se repete quase diariamente. Assim. Secamente. Sem explicação. (Caso não saibas, podes simplesmente bloquear – conheces o ícone? – o meu contacto do teu Messenger. No heart feelings. Amigos (?) como dantes.) É que o dito inicialmente se mantinha busy, idle ou away, depois, mais subtil – ou talvez não –, optou por outra estratégia: manter-se online até eu entrar, ou seja, sair logo que eu que acabo de me registar e entrar online. E eu a perceber a astúcia. Toda. Por incrível que pareça, desde o primeiro momento. Desde que ele se manteve indisponível aquela primeira vez. Sim, porque aparentemente não devo ter outros amigos (…adicionados no Messenger? em geral?...) que não sejam o próprio. Ou melhor, tenho apenas uma – a que temos em comum. Se estivermos ambas online, o senhor Q. não sai. Se eu estiver com os outros vinte, o sapientíssimo Q., por não saber da existência deles, julga-me sozinha e desejosa de lhe saltar em cima. E então, antes que o canibalismo tenha lugar, retira-se. Bravo!
(Sentem o fel? Bem vos disse que sou possessiva. Ainda preciso de mais uns tempos para recuperar da perda deste “my precious” e reencontrar o equilíbrio.)
O pior é que tenho a perfeita consciência de que o perdi (mais um…!) e sei precisamente porque é que a cisão se deu. E, apesar de não compreender bem, não o posso criticar. Muito… Do alto da experiência dos seus vinte e um anos não lhe parece normal que eu não saia à noite. Ou melhor, que eu não goste de sair à noite.
Tens razão, Q. Sou estranha. Não sou normal. A norma é de facto a frequência “obrigatória” desses espaços, com tudo o que isso acarreta. Do ponto de vista da socialização até. Eu entendo. Quando se anda na Universidade, é norma. Eu entendo. Quando se tem vinte e um anos, é norma. Eu entendo. Quando o gozar o agora é tudo o que interessa, é norma. Eu entendo. Quando se é tuno, é (pode ser?) norma. Eu entendo.
Mas, tenta entender também. Não saio à noite. Não gosto.
Vou ao teatro, ao cinema, às Tunas, aos concertos, ao futebol… de noite. Mas não saio à noite. Não gosto. Ou seja, não frequento discotecas. Não gosto. Não frequento bares, pubs e afins. Não gosto. E não deixo de ter amigos por isso, salvo a devida excepção.
Sou pouco convencional, admito. Não gosto de muitas coisas… Não gosto de sentir medo (degradante! – o que vale é que é temporário: só sentimos medo do que não conhecemos), não gosto de pessoas ocas, fúteis e mesquinhas; não gosto de perfumes fortes, de tabaco, de álcool, de bebidas gasificadas, do cheiro a éter nos hospitais, de sítios sem janelas, de dias cinzentos, de répteis, de pré-conceitos, pré-juizos; não gosto de mel de abelhas, não gosto de pessoas que chegam sistematicamente atrasadas aos compromissos; e detesto o dia das petas! Mas gosto de outras tantas. Gosto de sentir o Sol de Inverno a bater-me na cara, pão acabado de fazer com manteiga de alho e salsa, chá quente, fumegante; vestidos, do cheiro a roupa lavada, água fresca, passeios à beira-mar ao fim da tarde, do cheiro a fruta e flores nos mercados, toalhas acabadas de passar a ferro, festas e bolos de aniversário, de ver a chuva a fustigar os vidros das janelas; gosto que a minha mãe me massaje e aqueça os pés; gosto de passar tempo com os meus amigos: almoços, jantares, passeios, tardes inteiras à conversa no café, na esplanada, no bar da Faculdade, na minha casa…onde for; gosto de quando o meu pai me olha desconfiado; gosto de ver e ouvir palavras sentidas, ditas olhos nos olhos; gosto do tempo das vindimas, de lírios, de bolas de sabão, balões de pastilha elástica, pêssegos, orquídeas, girassóis, tudo o que tenha massa-folhada, algodão-doce, aeroportos; gosto de olhares (malandros, tímidos, cúmplices), de piqueniques, de trovoadas e de tempestades; e adoro sorrisos!
No fim-de-semana passado instalei-me a mim, ao meu saco-cama e aos edredões na varanda. Estava um céu estrelado tão bonito que não ia conseguir adormecer se me tivesse privado de um espectáculo de tamanha beleza.
Hoje às 7.20 da manhã, tinha acabado de chegar ao Departamento, estavam 5º Celsius no exterior. Dirigi-me à cozinha, fiz chá, desci as escadas, fui à máquina que está bem no fim do corredor, comprei um Snickers – “king size” e corri alegremente lá para fora. Sentei-me sob a copa de uma árvore. A do costume. E deliciei-me com o meu chá e o meu chocolate. O meu pedacinho de céu esta manhã.
Da próxima vez que chover torrencialmente, cá é muito frequente – quase todas as semanas –, hei-de ir para a varanda apanhar a molha da minha vida. E sabes porquê?
Porque não sou normal.

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