É quarta-feira. Em dois locais distantes da cidade, em dois blocos simétricos de apartamentos que cresceram apressadamente numa ânsia de agarrar os recém-formados, entraram ao mesmo tempo em casa dois indivíduos. Um veio da Repartição de Finanças, aturou todo o dia os ingénuos, os pretensamente ingénuos, os chicos-espertos, os parolos e os sabidos. Pegou no saco desportivo e saiu para o Ginásio onde a luta contra os aparelhos lhe há-de aliviar o stresse. Depois, após o jantar, tem ainda a opção de dar uma escapada ao café, ao Bar ou adormecer com o jornal desportivo nas mãos, cansado de «zapar» por todos esses inúmeros canais. Mas dentro de sua casa trabalho não entra, ali é o seu refúgio.
No outro apartamento, rodeado de hipermercados, e próximo das enervantes vias e rodovias, à mesma hora, entra outro indivíduo. Este é professor. Verga-se-lhe a coluna ao peso da pasta. Os vizinhos hão-de julgá-lo vendedor de qualquer coisa.
Sentou-se um pouco para recuperar o fôlego, desejou comer alguma coisa. E procurou nas gavetas do frigorífico. E lá apareceu o trivial.
Depois, quando o corpo já pedia repouso, lembrou-se!
- Tenho de fazer um teste.
Foi até ao computador, mas a vontade em premir a tecla era pouca, mínima. Mas tem de ser! E lá começou a alinhar umas ideias. E mais um item aqui, outro acolá e o teste foi ganhando forma. Mas já passaram duas horas, duas horas do seu direito ao descanso! - Agora já posso relaxar. Haverá futebol? - Enquanto procurava o comando deu com os olhos na sua coçada pasta e ocorreu-lhe que tinha lá uns trabalhos dos alunos para ver.
- Podia deixar isto para depois… – cogitou. Mas não resistiu em pegar de novo na pasta e tomar em mãos os trabalhos e dar-lhe uma olhadela. Decidiu-se e começou uma leitura mais crítica e avaliadora. Acabou mesmo por começar a correcção.
A noite foi-se tornando opaca e dura, só de fora se ouvia um ou outro carro que rasgava o silêncio.
Por fim, o peso das pálpebras era insuportável e arrastou-se para a cama.
Mas antes que o sono o dominasse, ainda lhe assaltaram a mente as peripécias do dia. As queixas dos colegas professores da turma. O encontro com o encarregado de educação, que não compreende que o filho está a crescer e que precisa de outro tipo de apoio. O problema daquele aluno que nunca traz material e que ultimamente parece que não se anda a alimentar. E aquela maldita acta que nunca mais fica pronta, porque nem tem tempo para ver o seu secretário.
E, por fim adormece, é meia-noite.
O dia, passou-o de bloco em bloco, de aula em aula, gastou-o na escola. Mas o trabalho ali ficou pela metade. Por isso não compreende por que teve de trazer a escola para casa, agora que fica mais tempo na escola.
Um dia destes o professor vai fazer um novo cálculo do seu horário de trabalho e vai descobrir que já não serão as trinta e cinco horas, mas as famosas cinquenta de que falou o nosso Presidente.
Mas uma coisa é certa, terá de haver um aperto nos atestados de robustez física e psicológica na admissão de docentes, porque poucos hão-de aguentar a tal carga e durante tanto tempo.
Manuel Sousa
In "Preto no Branco", Jornal da E. Sec. P. Lanhoso (o meu berço profissional!)
No outro apartamento, rodeado de hipermercados, e próximo das enervantes vias e rodovias, à mesma hora, entra outro indivíduo. Este é professor. Verga-se-lhe a coluna ao peso da pasta. Os vizinhos hão-de julgá-lo vendedor de qualquer coisa.
Sentou-se um pouco para recuperar o fôlego, desejou comer alguma coisa. E procurou nas gavetas do frigorífico. E lá apareceu o trivial.
Depois, quando o corpo já pedia repouso, lembrou-se!
- Tenho de fazer um teste.
Foi até ao computador, mas a vontade em premir a tecla era pouca, mínima. Mas tem de ser! E lá começou a alinhar umas ideias. E mais um item aqui, outro acolá e o teste foi ganhando forma. Mas já passaram duas horas, duas horas do seu direito ao descanso! - Agora já posso relaxar. Haverá futebol? - Enquanto procurava o comando deu com os olhos na sua coçada pasta e ocorreu-lhe que tinha lá uns trabalhos dos alunos para ver.
- Podia deixar isto para depois… – cogitou. Mas não resistiu em pegar de novo na pasta e tomar em mãos os trabalhos e dar-lhe uma olhadela. Decidiu-se e começou uma leitura mais crítica e avaliadora. Acabou mesmo por começar a correcção.
A noite foi-se tornando opaca e dura, só de fora se ouvia um ou outro carro que rasgava o silêncio.
Por fim, o peso das pálpebras era insuportável e arrastou-se para a cama.
Mas antes que o sono o dominasse, ainda lhe assaltaram a mente as peripécias do dia. As queixas dos colegas professores da turma. O encontro com o encarregado de educação, que não compreende que o filho está a crescer e que precisa de outro tipo de apoio. O problema daquele aluno que nunca traz material e que ultimamente parece que não se anda a alimentar. E aquela maldita acta que nunca mais fica pronta, porque nem tem tempo para ver o seu secretário.
E, por fim adormece, é meia-noite.
O dia, passou-o de bloco em bloco, de aula em aula, gastou-o na escola. Mas o trabalho ali ficou pela metade. Por isso não compreende por que teve de trazer a escola para casa, agora que fica mais tempo na escola.
Um dia destes o professor vai fazer um novo cálculo do seu horário de trabalho e vai descobrir que já não serão as trinta e cinco horas, mas as famosas cinquenta de que falou o nosso Presidente.
Mas uma coisa é certa, terá de haver um aperto nos atestados de robustez física e psicológica na admissão de docentes, porque poucos hão-de aguentar a tal carga e durante tanto tempo.
Manuel Sousa
In "Preto no Branco", Jornal da E. Sec. P. Lanhoso (o meu berço profissional!)
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