Tenho uma gripe. De certeza.
Ontem acordei com uma forte vontade de vomitar, não conseguia estar em pé, doía-me o corpo todo (mas especialmente os olhos – como sempre quando estou a chocar uma gripe, mas não das aves porque sou vegetariana!), tinha os olhos vidrados e febre. Muita febre. Passei o dia ora a suar em bica, ora a tremer de frio. Quando suava, afastava os lençóis, quando tremia puxava-os para cima. Uma autêntica odisseia. E ainda queria ver os Óscares ao jantar. Inocente criança!
Detesto estar doente. Quando fico doente tenho que ir ao médico e como enquanto vivia com os meus pais isso só foi necessário uma vez (em dezassete anos de existência, é obra!), já que a gravidade dessa situação ia para além dos conhecimentos e autoridade profissional do meu pai; desde então sempre que tenho de ir ao médico é um drama. É como se caminhasse ao longo do corredor da morte. O meu coração bate muito acelerado, não consigo parar de suar das mãos. Esqueço-me de contar detalhada e organizadamente como tudo começou, os sintomas, a medicação a que sou alérgica…enfim, sai tudo muito atabalhoadamente, às vezes quase aos soluços. O que vale é que levo sempre comigo a mana, que, de tão bem me conhecer e escrever tanta história clínica, sempre compõe as minhas tentativas vãs de comunicação num quadro clínico verosímil, compreensível e decente.
Tenho pavor a estados febris. É que associo a febre à morte. Os meus amigos acham que sou hipocondríaca. O meu pai já não liga. A minha irmã ri-se.
Mas o paralelo é pertinente. Já explico.
Caracterização sumária da minha pessoa acometida por um estado febril: estado dominante – fraqueza, uma fraqueza subjugadora que me verga além do humanamente imaginável – não consigo levantar-me da cama; se o faço tudo gira à minha volta antes de ficar turvo e depois branco, muito branco, tão branco que cega; estados concomitantes – sede, tenho muita sede e a garganta muito seca (conclusão: bebo litros e litros de água – sim, sei que faz bem, mas não como nada porque não consigo, porque já não há no meu estômago espaço para o que quer que seja); frio, muito frio e arrepios, como se a toda a hora houvesse uma corrente de ar – e é inacreditável porque quando estou com frio a minha cara está a ferver e vermelhíssima e então agasalho-me; calor, muito calor, suor a escorrer em bica, cara branca, amarela e verde de pálida, segundo ou terceiro pijama do dia ensopado junto ao corpo e isto poucos minutos após ter estado a tremer e ter decidido agasalhar-me.
Por isso, não percebo as reacções das pessoas quando digo. “Estou a sentir-me mal, acho que vou morrer.” (Admito que digo o mesmo quando apanho um resfriado e até quando como aquilo que sei que me faz mal. Mas aí é apenas o mimo a falar por mim. Nunca tenho febre nessas situações. Ontem tinha.)
Não percebo como a morte possa ser diferente da ausência de vitalidade que acabei de descrever. Pior não é certamente. Não pode ser.
Então ontem porque queria ver os Óscares, o que por força das circunstâncias se estava a tornar quase impossível (afasta lençol, puxa lençol, vira para um lado, vira para o outro, sua um pijama, muda para outro, puxa lençol, afasta lençol) e, sobretudo, impelida pelo pavor de uma primeira incursão pelo corporativista sistema de saúde americano, tentei esquecer a debilidade e procurei o Kit de Primeiros Socorros que o meu pai e a minha irmã atafulharam de medicamentos no final deste Verão antes de eu vir para cá. Benditos sejam os químicos. (Sou vegetariana e muito a favor de tudo quanto seja natural: chá de limão com mel, sopa quente, citrinos em abundância... mas esta era uma daquelas, fortes, e portanto para situações extremas… medidas extremas!)
Bendito seja o primeiro farmacologista (farmacólogo???) à face da Terra. Devia ser canonizado. A sério.
Benditos sejam os médicos. Continuem a fazer o trabalho deles, a milhas da minha pessoa (de preferência).
Bendito seja o meu pai. E a mana. Claro.
Ainda não é desta que vou explorar por dentro o Centro Médico de Houston.
Vi os Óscares retalhadamente entre mudas de pijamas e substituições de garrafas de água, pelo que nem vou comentar.
“My Oscar goes to Mitridates, the first pharmacologist”.
Ontem acordei com uma forte vontade de vomitar, não conseguia estar em pé, doía-me o corpo todo (mas especialmente os olhos – como sempre quando estou a chocar uma gripe, mas não das aves porque sou vegetariana!), tinha os olhos vidrados e febre. Muita febre. Passei o dia ora a suar em bica, ora a tremer de frio. Quando suava, afastava os lençóis, quando tremia puxava-os para cima. Uma autêntica odisseia. E ainda queria ver os Óscares ao jantar. Inocente criança!
Detesto estar doente. Quando fico doente tenho que ir ao médico e como enquanto vivia com os meus pais isso só foi necessário uma vez (em dezassete anos de existência, é obra!), já que a gravidade dessa situação ia para além dos conhecimentos e autoridade profissional do meu pai; desde então sempre que tenho de ir ao médico é um drama. É como se caminhasse ao longo do corredor da morte. O meu coração bate muito acelerado, não consigo parar de suar das mãos. Esqueço-me de contar detalhada e organizadamente como tudo começou, os sintomas, a medicação a que sou alérgica…enfim, sai tudo muito atabalhoadamente, às vezes quase aos soluços. O que vale é que levo sempre comigo a mana, que, de tão bem me conhecer e escrever tanta história clínica, sempre compõe as minhas tentativas vãs de comunicação num quadro clínico verosímil, compreensível e decente.
Tenho pavor a estados febris. É que associo a febre à morte. Os meus amigos acham que sou hipocondríaca. O meu pai já não liga. A minha irmã ri-se.
Mas o paralelo é pertinente. Já explico.
Caracterização sumária da minha pessoa acometida por um estado febril: estado dominante – fraqueza, uma fraqueza subjugadora que me verga além do humanamente imaginável – não consigo levantar-me da cama; se o faço tudo gira à minha volta antes de ficar turvo e depois branco, muito branco, tão branco que cega; estados concomitantes – sede, tenho muita sede e a garganta muito seca (conclusão: bebo litros e litros de água – sim, sei que faz bem, mas não como nada porque não consigo, porque já não há no meu estômago espaço para o que quer que seja); frio, muito frio e arrepios, como se a toda a hora houvesse uma corrente de ar – e é inacreditável porque quando estou com frio a minha cara está a ferver e vermelhíssima e então agasalho-me; calor, muito calor, suor a escorrer em bica, cara branca, amarela e verde de pálida, segundo ou terceiro pijama do dia ensopado junto ao corpo e isto poucos minutos após ter estado a tremer e ter decidido agasalhar-me.
Por isso, não percebo as reacções das pessoas quando digo. “Estou a sentir-me mal, acho que vou morrer.” (Admito que digo o mesmo quando apanho um resfriado e até quando como aquilo que sei que me faz mal. Mas aí é apenas o mimo a falar por mim. Nunca tenho febre nessas situações. Ontem tinha.)
Não percebo como a morte possa ser diferente da ausência de vitalidade que acabei de descrever. Pior não é certamente. Não pode ser.
Então ontem porque queria ver os Óscares, o que por força das circunstâncias se estava a tornar quase impossível (afasta lençol, puxa lençol, vira para um lado, vira para o outro, sua um pijama, muda para outro, puxa lençol, afasta lençol) e, sobretudo, impelida pelo pavor de uma primeira incursão pelo corporativista sistema de saúde americano, tentei esquecer a debilidade e procurei o Kit de Primeiros Socorros que o meu pai e a minha irmã atafulharam de medicamentos no final deste Verão antes de eu vir para cá. Benditos sejam os químicos. (Sou vegetariana e muito a favor de tudo quanto seja natural: chá de limão com mel, sopa quente, citrinos em abundância... mas esta era uma daquelas, fortes, e portanto para situações extremas… medidas extremas!)
Bendito seja o primeiro farmacologista (farmacólogo???) à face da Terra. Devia ser canonizado. A sério.
Benditos sejam os médicos. Continuem a fazer o trabalho deles, a milhas da minha pessoa (de preferência).
Bendito seja o meu pai. E a mana. Claro.
Ainda não é desta que vou explorar por dentro o Centro Médico de Houston.
Vi os Óscares retalhadamente entre mudas de pijamas e substituições de garrafas de água, pelo que nem vou comentar.
“My Oscar goes to Mitridates, the first pharmacologist”.
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