segunda-feira, março 20, 2006

Um dia ...

Para L.

Um dia, daqui a uns cinquenta anos, talvez, terei seis netos: três rapazes e três raparigas.

Acompanhados dos pais, eles passarão comigo os Verões, crescendo em Amor, Estatura e Graça. Perdidos por entre silvados e vinhedos, misturar-se-ão com o azul-verde do rio e com o cheiro doce a uvas e mosto. Todos os fins de tarde procederemos ao mesmo ritual: sentar-nos-emos todos sob o alpendre a ver o pôr-do-sol enquanto vamos beberricando um refrescante chá gelado. Depois, pedir-me-ão que lhes continue a contar a história das noites anteriores. A mesma história a cada Verão.

A minha história.

Um dia, daqui a cinquenta anos, talvez, vou contar-lhes de como estar contigo me dava a sensação única e absolutamente indescritível de chegar a casa. De como tudo era surpreendentemente simples e fazia sentido. Sempre. Vou falar-lhes da tua autenticidade, segurança, alegria, jovialidade, extrema bondade, nobreza de carácter, grandeza de espírito e da enorme, incomensurável, afeição por mim.

Nesse dia vou explicar-lhes que o Amor tem muitas formas e que, possivelmente, de todas, a Amizade é a mais sublime.

Quando me perguntarem por que razão não podemos escolher aqueles que amamos ou por que motivo é tão difícil (ou raro) gostarmos de quem gosta realmente de nós, dir-lhes-ei apenas:

- “Porque é humano, o Amor.”

Quando me perguntarem o porquê de invariavelmente, mais cedo ou mais tarde, magoarmos aqueles que mais nos amam, dir-lhes-ei somente:

- “Porque é humano, o Amor.”

Quando me perguntarem porque teimamos sempre em voltar as costas à felicidade autêntica, óbvia, clara, todos os dias revelada em tantos actos e até pequenos pormenores, dir-lhes-ei:

- “Porque é humano, o Amor.”

Humano: fraco, incoerente, louco, ambicioso, irracional, impetuoso, doentio, imperfeito, humano.

Um dia, daqui a cinquenta anos, talvez, vou explicar aos meus netos – que até poderão ser nossos, não sei …!) que o NÃO que ouviste na segunda sexta-feira daquele Março distante, quase perdido na bruma do tempo, foi – pela sinceridade, pela confiança e pela amizade – um NÃO de Amor.

1 comentário:

Eduardo disse...

Este texto é simplesmente sublime! Nada mais correcto do que dizer q o amor falha porque é humano, imperfeito! Uma série de desencontros em espiral...
Bj, Eduardo