sexta-feira, março 10, 2006

M5RH

Esta podia ser a fórmula da felicidade: M5RH.
Simples: Maroon 5 no Rodeo Houston; ou mais precisamente no Astrodome Reliant Stadium por ocasião da vinda (anual, tradicional, esperada, desejada e ambicionada por todo e qualquer texano que se preze – nativo ou por adopção –) do Rodeo a Houston.
Ainda estou com gripe. Obviamente. Cinco dias desde o aparecimento dos primeiros (e alarmantes!) sintomas, não sei quantos serão já de incubação… mas de uma coisa tenho a certeza: outros cinco virão e eu ainda estarei neste estado. Lastimável... No mínimo. Bem, agora já tenho a tosse (e o respectivo muco nasal) que o meu mal-estar inicial (devidamente acompanhado pela inseparável falta de ar nocturna) indicava. Ontem isto não era tão evidente mas como quase não conseguia parar de chorar (não de emoção ante a visão do Adam Levine… não, era mesmo o meu canal lacrimal, desesperado, ante a constatação da inundação da sua casa a deitar continuamente baldes de água porta fora, para a rua, feito bom português…).
Considero absolutamente pertinente o postulado, defendido por muitos especialistas, de que quando nos sentimos em baixo, as nossas defesas solidarizam-se connosco e baixam também. Sempre que apanho uma desilusão, daquelas impactantes, que viram o meu mundo (certezas, seguranças, convicções, princípios e valores) completamente do avesso, fico doente. Normalmente constipação ou resfriado. Desta vez, (e como aqui já começou a Primavera) acho que os vários tipos de pólenes, a mudança para um gabinete – onde o ar condicionado é permanente – e até a dieta que eu estava finalmente a seguir escrupulosamente… congeminaram todos e juntaram-se à constatação de uma triste realidade (AS MÁS PESSOAS EXISTEM. SÃO REAIS. E NÃO MUDAM DE UM MOMENTO PARA O OUTRO.) para o aplauso do espectáculo que não deve ser ver trabalhar os meus anticorpos. Vê-los em acção, a tentarem a todo o custo debelar o vírus, numa luta profundamente desigual (sinto-o!)… enfim, aqui o hospedeiro é que não achou graça nenhuma à conspiração. Porque não consigo trabalhar (não tenho concentração suficiente para ler a pilha de artigos que se amontoou na minha mesa, não tenho a argúcia do costume para construir a argumentação para o que tenho de escrever…), porque nas aulas passo o tempo todo a assoar-me e a tossir (mais alto do que fala o professor… depois ninguém percebe nada e Babel renasce!…), porque se fico em casa, deprimo por não consigo sequer ver televisão sem estar o tempo todo com os olhos a transbordar de água e a tossir, porque não consigo dormir com falta de ar, porque… Por todas as razões.
Então, da mesma forma que fiz aquele primeiro esforço, verdadeiramente hercúleo, para procurar o kit da medicação, todos os dias faço outros do género que aprendi há uns anitos, aquando do meu primeiro embate com a malvadez humana. E levanto-me de manhã, sorrio e cumprimento os meus sempre leais companheiros de paragem, apanho o autocarro e venho para o Departamento como se nada fosse; e falo com as pessoas no campus, nas aulas e no departamento como se nada fosse; e converso com os meus mais recentes amigos como se nada fosse; e faço, na medida do possível, a minha rotina diária. Como se nada fosse. Mas a minha voz rouca é como o algodão: não engana. E todos me elogiam a voz sexy. E o meu coração está apertado, tem um laço ao pescoço, como os vitelos ontem. E alguns notam o nó na garganta. A desilusão.
Todavia, lá diz o ditado, “Tristezas não pagam dívidas.” e não dão saúde a ninguém, acrescento eu. E então face o convite (totalmente inesperado e talvez por isso mesmo adorável) para ir ao Rodeo, não houve gripe poderosa o suficiente para me vergar (se fosse Domingo passado a história seria outra). Aceitei. Faltei a uma conferência (por respeito ao orador obviamente, não decidisse a minha tosse fazer das suas) e lá fui eu, com mais três coreanos, ver a Expo-Far-West cá do sítio. Cavalos, cabras, vacas, vitelos, lamas, porcos, pintos, cowboys e cowgirls. Lembrei-me do meu pai e da sua paixão por westerns. Ele haveria de ter gostado de tudo aquilo. Até eu que não gosto de muita coisa, gostei. Gostei muito. De tudo. Da exposição mais ou menos caótica, mais ou menos didáctica, dos animais e dos adereços (jóias, cintos, chapéus, botas, esporas, selas); da simpatia dos criadores e até dos competidores (até da exacerbação do patriotismo na oração inicial, no hino e na bandeira que uma magnífica e bem conhecida stunt impunhava nas mais variadas acrobacias enquanto montava!); da alegria e adrenalina constantes nos carrosséis por onde passamos (da inveja que sentimos das criancinhas que puderam andar de pónei!); da incomensurável paciência de todos os que nos requisitavam para os mais variados jogos (com a aliciante do peluche gigantesco no fim como prémio); da comida-rápida mais ou menos típica, e até do público anónimo que nos deu as boas vindas com direito a tratamento VIP, fosse a tirar-nos fotografias, fosse a me indicar o trajecto a fazer até encontrar a secção do meu lugar no estádio (há coisas que nunca mudam e a leitura de mapas continua a ser incompatível com os meu quadros cognitivos). Se calhar, tudo isto tem um significado redobrado por ser a nossa primeira vez nestas andanças vaqueiras. Se calhar também a simpatia se deveu a esse facto também (até porque isso nos foi perguntado inicialmente). Mas soube bem. Especialmente porque – já aprendi – o contacto com a natureza dá saúde, enrijece o carácter e enobrece. Por outro lado, nestes últimos tempos já me tinha esquecido de que as pessoas simpáticas também existem. São reais. E fazem das coisas complicadas coisas simples. E ajudam com agrado, sem segundas intenções. Têm gosto em ajudar. E são alegres.
O meu objectivo com esta saída era mesmo o de desanuviar: sair do gabinete, do departamento, da melancolia e da tristeza e esquecer a gripe. O meu objectivo mais do que o Rodeo era o espectáculo dos Maroon 5. Pelas razões que enunciei. E não, não gosto de Maroon 5, não gosto da música, não gosto do grupo e muito menos do vocalista. Mas, convenhamos, um concerto pop-rock num recinto amplo é precisamente o ideal para quem pretende dar uns berros a ver se vomita cá para fora uns quantos sapos (forçosamente engolidos desde Novembro), se esvazia a melancolia e se extravasa a tristeza. Se a catarse acontecer, a alegria acorda e pinta o céu com o azul e o rosa do costume e tudo volta ao normal. A gripe sente-se só e, desamparada, parte ressentida com a careta que lhe fizer. Tudo volta ao normal. Comigo é assim.
Efectivamente, a música é a panaceia para aqueles dias em que chove por dentro. Em que chovo por dentro. Em que choro por dentro. Também. Sempre foi assim. Por isso é que nas minhas viagens, quando o meu pai e a minha irmã preparam o kit dos medicamentos, eu preparo um kit diferente, onde consta, invariavelmente, uma dúzia de cds; outros podem juntar-se-lhes mas aqueles são sagrados. Porque se estiver triste e os ouvir, fico novamente bem. Por isso é que gosto tanto de música. Por isso também é que não gosto de Maroon 5.
Em boa verdade, porque sou uma pessoa muito visual, certas imagens influenciam a minha opinião estética. O que é muito mau. Primeiro porque as mais das vezes as imagens são mais poderosas que o som e as palavras (e se for numa língua estrangeira, então…) e assim sendo a fruição da junção som-palavra não é total, se for sequer possível. Trata-se então de uma espécie de preconceito que se gera no meu íntimo. O preconceito pela imagem. Ou através da imagem, ou adveniente da imagem. O aparecimento dos Maroon 5 coincidiu com a aquisição da TV Cabo pelos meus pais. Era Verão. Estávamos os quatro na Madeira. Em casa. Três raparigas e um rapaz. Conclusão primeira: MTV o dia todo. Todos os dias. Conclusão segunda: Boom Maroon 5 = Maroon 5 na MTV a toda a hora. A canção entrava facilmente no ouvido. (Nem que fosse pelo jeitinho que dava a MTV, com a repetição!) Mas o vídeo… Não tenho nada contra o vídeo mas considero que ofusca a canção de tão intenso. E isso voltaria a acontecer com o segundo single. To make a long story short: Não gostei dos vídeos dos dois primeiros singles dos Maroon 5 e ao tentar dissociar-me deles quando ouvi as músicas, foi quase automático: irritou-me profundamente a voz, fininha e nasalada, do vocalista. A partir daí desisti. “Maroon 5, não obrigada!” Depois, não sei se por causa de um filme ou algo do género, cheguei um dia a casa, toda entusiasmada com uma música (que me lembrava a América dos anos 50), a qual tinha ouvido casualmente numa loja, e pelo título fui investigá-la na net. Qual não foi o meu espanto: “She´s all I see.” Maroon 5. Ainda franzi o sobrolho descrente. Bem, o que vale é que já tenho aprendido umas coisas e muito lutei até conseguir obter um preconceito à minha medida. Explico: o preconceito em mim é sempre temporário – só se instala pela incerteza, quando a certeza de algo maior sobrevém, ele reduz-se à sua óbvia insignificância e desaparece. E depois da música, a imagem. O vídeo. Sublime. Só quem conhece bem orientais… Então, reformulando: gosto de uma música dos Maroon 5. Sei que devia ter-lhes dado o benefício da dúvida e ter investigado as outras. Tão à mão de semear. Ali. Na net. Tão perto. Mas não sei se foi o tempo que falhou ou a inércia, que o preconceito também contém, que foi exímia. Nunca mais lhes liguei. Nunca mais ouvi falar deles. Embora do vocalista, uma ou duas vezes, terei lido qualquer coisa quando, à espera na caixa do supermercado, folheava uma revista. Saídas nocturnas. Amigos. Copos. Namoradas. O costume. Nada de substancial.
Mas nada acontece realmente por acaso. Acredito piamente. Eu estava mal, queria desanuviar e então quis o acaso que eu pagasse para ver, entre outras coisas, Maroon 5! Não ia, naturalmente, com muitas expectativas. “Só gosto de uma música.” Mas conhecia (ao contrário de alguns dos meus acompanhantes) o grupo e as letras das músicas de que não gosto. Já faz três! É claro que não as pude cantar. Nem gritar. Nem sequer para dar o almejado grito do Ipiranga. Ontem, ao fim da tarde, nem voz tinha. Piorei. Possivelmente do sol que apanhei toda a tarde no recinto. E do ar condicionado no interior do estádio. Passei o concerto todo a chorar (mas de um olho só!). Toda a gente acha que foi da emoção (e não se cansam as meninas de elogiar o meu bom gosto: “Adam Levine is really handsome. Don’t be ashamed!”) e não há maneira de os convencer que a emoção tem um nome: gripe. Já desisti. Enfim… O meu olho esquerdo é muito emotivo.
Mas têm alguma razão, o Sr. Adam Levine não é muito telegénico. Apesar de não fazer o meu estilo, tenho de admitir que é de facto mais interessante ao vivo. E desconfio até que seja por isso que tantas meninas, de todas as idades, arriscam nestas ocasiões uns quantos pólipos nas cordas vocais. E teve aulas de canto. De certeza. (Confere. Já o confirmei.) Isto porque embora incorrigivelmente nasalada, a voz fininha consegue agora uns agudos muito bons. Mesmo. Além do que o dito toca guitarra espantosamente bem. Mais do que muito seguro. Muito natural. Como se lhe viesse do fundo da alma. Visceral. Delicioso. Gostei. Surpreendeu-me. Muito, para ser franca. E gostei de músicas, mais rockeiras, que não conhecia, nas quais o vocalista evidencia a já referida destreza instrumental. (Devo salientar também o teclista, que me impressionou também. Mas não tendo sido a surpresa tão intensa, dispensa portanto os meus comentários.) Gostei. Fez-me esquecer do resto: do desconforto que a comida rápida provocou no meu estômago, do olho incontinente, da tosse, da angústia, do ar condicionado e das dores de cabeça. Objectivo atingido. Gostei de observar o espectáculo no palco e fora dele, nas bancadas. Gostei da dedicatória, ao público feminino, da música mais badalada quando o rosto, contrito, e os olhos espelhavam uma amargura profunda, marcante, recente ou passada. Gostei da tentativa, do esforço por disfarçar o desânimo evidente e sorrir. Gostei do “Stay in School.” alegre e despretensioso, tanto quanto gostei da resposta, pronta, quase automática, que saltou de trás de mim: “Yes sir!” Surpresa novamente. Um baque por dentro. Gostei.
No fim, um turbilhão de sentimentos fustigava-me a alma. Missão cumprida. Euforia. Fascínio. Choque. Enlevo. Surpresa. Calma. Alegria. Ternura. Admiração. Mas… Passou tão depressa. Foi tudo tão rápido. À velocidade do sonho. De um sonho bom.
Ontem foi o dia da redenção. Surpreendi-me e Maravilhei-me. Musicalmente. Voltei a surpreender-me e não mais deixei de me maravilhar. Humanamente. Gostei.
Ontem M5RH foi a fórmula da felicidade! A felicidade é uma coisa simples.

2 comentários:

Joana disse...

O "She's all I see" chama-se na realidade "Sunday Morning". As minhas desculpas aos fas mais atentos.

Eduardo disse...

gd texto, sem dúvida! A sinceridade com q foi escrito é suprema!!! Continua!
Eduardo