Ontem fui a um festival renascentista. Supostamente. The Texas Renaissance Festival (TRF) em Plantersville, a norte de Houston. Desenganem-se então aqueles que estavam à espera de ver o re-nascimento da civilização, da sociedade e da cultura, o retorno aos ideais clássicos e o avanço e o progresso da ciência e da técnica… Contavam-se pelos dedos as pessoas rigorosamente trajadas à época, as coroas de flores e as tranças, as apresentações dos ofícios populares nessa altura (ferreiro, vidreiro…), o dealbar da Imprensa de Guttenberg, Shakespeare – o homem e a obra (muito mal representado, infelizmente!), as paródias à obra shakespeareana (muito boas!), os coros e a música renascentista (satisfatórios)... Contavam-se pelos dedos de uma mão. E deixavam-me com um vazio e um aperto muito grandes.
Não obstante, abundavam os góticos (sim os góticos!!!), as dançarinas do ventre – directamente dos anos 80 (a ver pelos cabelos e pela maquilhagem) –, as pseudo-dançarinas do ventre (vulgo strippers), as pseudo-ciganas, os cowboys, os escoceses – masculamente ostentando kilt e boina, os Darth Vaders (sim, os Darth Vaders!!!), os Harry Potters (sim!!!), as fadas e as borboletas (seria por causa do Sonho de uma Noite de Verão?), o Centauro e até o Baco (seria por causa do retorno aos clássicos?), os restaurantes franceses, os restaurantes gregos, os restaurantes texmex (Porquê? Alguém me explica?) …
Sinais dos tempos. Consumismo, globalização, economia de mercado, suponho. Tudo isso ou ignorância. Tudo isso e ignorância. Talvez devesse desculpar aos americanos a ignorância, tal como se desculpa uma tropelia a uma criança pequena. Afinal são uma nação muito recente, ainda estariam algures a caminho de Paris ou do ninho da cegonha no início do Renascimento. Mas não posso. Acho de um profundo mau gosto. Ofende-me. Se calhar na minha cidadania europeia. Sei lá. Mas só o dinheiro que vi circular ontem com baboseiras me deu um nojo tal que só me apetecia duas coisas: ou gritar-lhes o quanto eram ridículos, ou arranjar um buraquinho para me esconder e chorar. Por isso e pelo facto de me ter apercebido (só ontem (!) ando mesmo no mundo da lua!) o quanto somos uma sociedade profundamente dark. Negra. Profundamente. Tristemente. Negra.
Foi possivelmente do impacto de esbarrar a cada passo com os Darth Vaders - tantos (!) à procura de atenção -, os ninjas e os góticos, alguns bem hard-core, pensei no início. Mas não. Á noite, antes de dormir, naquela meia hora em que passo o dia todo em revista, não consegui afastar do pensamento duas imagens: a das raparigas vestidas de duas peças minúsculas de correntes, apenas com um fio dental preto, horroso, por baixo, que faziam tudo menos a anunciada dança do ventre, para gáudio da multidão que uivava cá em baixo... e a do homezarrão, vestido à “Darth Vader-ninja” que tocava, muito bem por sinal, uma espécie de órgão, de três toneladas, composto de vários sinos de diferentes dimensões e subsequentemente de diferentes sonoridades. Porque senti pena das raparigas e vergonha de ser mulher e de estar ali a ver aquilo. Porque me esforço todos os dias para ser mais e melhor. Para não ser mais uma entre a gente. Ou um objecto. Ou descartável. Porque acho muito triste ter-se que se vestir de negro e compor toda uma personagem, mescla de "Fantasma da Ópera-dark com “V” de Vendetta, para que lhe seja dado algum tipo de reconhecimento e atenção. Porque tenho a certeza de que se não o fizesse, diminuiria drasticamente a audiência e possivelmente até os aplausos do público. Porque tenho a certeza de que a maioria das pessoas que vai a este festival vê na iniciativa a oportunidade de ser notado e daí toda a panóplia de estranhas personagens, cada uma mais estranha, mutante e horrorosa que a outra. Porque há muita gente triste, com histórias e vidas tristes que só precisam de algum colo, os mais novos, e companhia, os mais velhos. Porque... Porque...
Daí para o Almodôvar e para o José Luís Peixoto (que adoro, ambos!) foi um pulinho e de nenúfar em nenúfar cheguei a uma triste conclusão: Dark Ages. That’s where we are. That’s what we are: Dark. E não falamos sequer em obscurantismo ideológico. Trata-se de algo muito mais abrangente: o obscurantismo emocional. Modo de olhar, de sentir, de viver. Sempre me perguntei porque é que o Almodôvar e o José Luís Peixoto não põem o enorme, inigualável talento deles ao serviço de uma estética mais apolínea, mais clara. Não necessariamente mais racional. Porque é que eu tenho de chorar de tristeza, quando me podem fazer chorar de alegria? Porque é que se busca tanto actualmente a emoção pelo choque, pelo horror, pela violência? Pelo negro?
Porque é que se eu disser coisas bonitas sou lamechas (cheesy em inglês), comum, superficial e portanto tenho que o fazer baixinho, ao ouvido, entre quatro paredes; mas se gritar barbaridades posso fazê-lo num palco, em público, e ainda sou considerada um génio apaixonado e conhecedor do âmago da vida. Será a vida no seu núcleo fatal, negra, solitária e triste?
Já falei disto a imensa gente e todos me dizem ou que não percebo o trabalho dos dois senhores acima mencionados na sua pureza original ou que vivo num mundo paralelo e não conheço as pessoas, nem a vida, nem o mundo. E atiram-me com as minhas coisas (leia-se feitio, maneira de ser/estar na vida – com referência obrigatória às minhas famosas chuvadas para refrescar ideias e noitadas passadas sob céus estrelados para adormecer) e riem-se e rimos e fica tudo bem até a próxima vez em que acontecer alguma coisa que me faça pensar nas Dark Ages novamente.
Mas conheço. Sei o que é ser mau, intriguista, invejoso, egoísta, triste, solitário, deprimido, arrogante, insolente, ambicioso, obsessivo, preguiçoso. Sei o que é ter medo. Sei o que é mascará-lo de prepotência. Sei o que é ter medo e por isso fugir. Sei por experiência própria ou porque me forçaram os outros a saber (“saber” vem do Latim “sapere” – "saborear"). Sei. Mas acho que se cedesse ao negro mercê desses recontros seria uma pessoa menos feliz. Se calhar vivo com uma venda nos olhos ou então, como já me disseram, numa bolha. A bolha do optimismo que contém todas as cores, como num caleidoscópio. Mas sou feliz assim. Claro que não sou feliz todos os dias, a todas as horas, minutos e segundos, também tenho os meus momentos e levo algum tempo a me re-erguer. Naturalmente. Mas não será por isso que vou deixar de acreditar em coisas bonitas e de me esforçar por as encontrar todos os dias nos mais pequenos gestos do quotidiano. Não vou armar de ferro o meu coração e coibir-me de dizer o que sinto com medo de ser mal aceite pelos outros. Não tenho nada contra as tribos urbanas – a não ser o hermetismo subjacente à ideologia – (não esqueço que algumas das pessoas mais interessantes e admiráveis de que tenho a honra de ser amiga deles fazem parte integrante), porém preocupa-me bastante esta invasão das trevas enquanto modo de sentir e viver que não tendo directamente a ver com esses grupos (apesar de eles encontrarem eco e se reverem grandemente nisso), atravessa todos os sectores da sociedade, nomeadamente através da cultura, que no nosso tempo é inevitavelmente de massas. Não gosto, preferia pintar para os meus filhos um mundo diferente, com menos ruído, menos aço e mais cor. Não tão profundamente triste, humanamente seco.
Findas estas reflexões filosóficas, regresso dessa bolha que é o meu mundo (onde tudo tem luz, cor (todas as cores) e o sabor (e todos os sabores) do que mais se quer e se gosta) e olho o branco (soma de todas as cores) no meu outro mundo que é o quarto: observo o tecto, depois as paredes, em seguida o meu armário e logo a minha roupa de Verão. A minha roupa. Porque aqui o Verão é o ano todo. Depois reduzo o escopo para mais perto: o pijama, os lençóis, a colcha. Tudo branco.
Não obstante, abundavam os góticos (sim os góticos!!!), as dançarinas do ventre – directamente dos anos 80 (a ver pelos cabelos e pela maquilhagem) –, as pseudo-dançarinas do ventre (vulgo strippers), as pseudo-ciganas, os cowboys, os escoceses – masculamente ostentando kilt e boina, os Darth Vaders (sim, os Darth Vaders!!!), os Harry Potters (sim!!!), as fadas e as borboletas (seria por causa do Sonho de uma Noite de Verão?), o Centauro e até o Baco (seria por causa do retorno aos clássicos?), os restaurantes franceses, os restaurantes gregos, os restaurantes texmex (Porquê? Alguém me explica?) …
Sinais dos tempos. Consumismo, globalização, economia de mercado, suponho. Tudo isso ou ignorância. Tudo isso e ignorância. Talvez devesse desculpar aos americanos a ignorância, tal como se desculpa uma tropelia a uma criança pequena. Afinal são uma nação muito recente, ainda estariam algures a caminho de Paris ou do ninho da cegonha no início do Renascimento. Mas não posso. Acho de um profundo mau gosto. Ofende-me. Se calhar na minha cidadania europeia. Sei lá. Mas só o dinheiro que vi circular ontem com baboseiras me deu um nojo tal que só me apetecia duas coisas: ou gritar-lhes o quanto eram ridículos, ou arranjar um buraquinho para me esconder e chorar. Por isso e pelo facto de me ter apercebido (só ontem (!) ando mesmo no mundo da lua!) o quanto somos uma sociedade profundamente dark. Negra. Profundamente. Tristemente. Negra.
Foi possivelmente do impacto de esbarrar a cada passo com os Darth Vaders - tantos (!) à procura de atenção -, os ninjas e os góticos, alguns bem hard-core, pensei no início. Mas não. Á noite, antes de dormir, naquela meia hora em que passo o dia todo em revista, não consegui afastar do pensamento duas imagens: a das raparigas vestidas de duas peças minúsculas de correntes, apenas com um fio dental preto, horroso, por baixo, que faziam tudo menos a anunciada dança do ventre, para gáudio da multidão que uivava cá em baixo... e a do homezarrão, vestido à “Darth Vader-ninja” que tocava, muito bem por sinal, uma espécie de órgão, de três toneladas, composto de vários sinos de diferentes dimensões e subsequentemente de diferentes sonoridades. Porque senti pena das raparigas e vergonha de ser mulher e de estar ali a ver aquilo. Porque me esforço todos os dias para ser mais e melhor. Para não ser mais uma entre a gente. Ou um objecto. Ou descartável. Porque acho muito triste ter-se que se vestir de negro e compor toda uma personagem, mescla de "Fantasma da Ópera-dark com “V” de Vendetta, para que lhe seja dado algum tipo de reconhecimento e atenção. Porque tenho a certeza de que se não o fizesse, diminuiria drasticamente a audiência e possivelmente até os aplausos do público. Porque tenho a certeza de que a maioria das pessoas que vai a este festival vê na iniciativa a oportunidade de ser notado e daí toda a panóplia de estranhas personagens, cada uma mais estranha, mutante e horrorosa que a outra. Porque há muita gente triste, com histórias e vidas tristes que só precisam de algum colo, os mais novos, e companhia, os mais velhos. Porque... Porque...
Daí para o Almodôvar e para o José Luís Peixoto (que adoro, ambos!) foi um pulinho e de nenúfar em nenúfar cheguei a uma triste conclusão: Dark Ages. That’s where we are. That’s what we are: Dark. E não falamos sequer em obscurantismo ideológico. Trata-se de algo muito mais abrangente: o obscurantismo emocional. Modo de olhar, de sentir, de viver. Sempre me perguntei porque é que o Almodôvar e o José Luís Peixoto não põem o enorme, inigualável talento deles ao serviço de uma estética mais apolínea, mais clara. Não necessariamente mais racional. Porque é que eu tenho de chorar de tristeza, quando me podem fazer chorar de alegria? Porque é que se busca tanto actualmente a emoção pelo choque, pelo horror, pela violência? Pelo negro?
Porque é que se eu disser coisas bonitas sou lamechas (cheesy em inglês), comum, superficial e portanto tenho que o fazer baixinho, ao ouvido, entre quatro paredes; mas se gritar barbaridades posso fazê-lo num palco, em público, e ainda sou considerada um génio apaixonado e conhecedor do âmago da vida. Será a vida no seu núcleo fatal, negra, solitária e triste?
Já falei disto a imensa gente e todos me dizem ou que não percebo o trabalho dos dois senhores acima mencionados na sua pureza original ou que vivo num mundo paralelo e não conheço as pessoas, nem a vida, nem o mundo. E atiram-me com as minhas coisas (leia-se feitio, maneira de ser/estar na vida – com referência obrigatória às minhas famosas chuvadas para refrescar ideias e noitadas passadas sob céus estrelados para adormecer) e riem-se e rimos e fica tudo bem até a próxima vez em que acontecer alguma coisa que me faça pensar nas Dark Ages novamente.
Mas conheço. Sei o que é ser mau, intriguista, invejoso, egoísta, triste, solitário, deprimido, arrogante, insolente, ambicioso, obsessivo, preguiçoso. Sei o que é ter medo. Sei o que é mascará-lo de prepotência. Sei o que é ter medo e por isso fugir. Sei por experiência própria ou porque me forçaram os outros a saber (“saber” vem do Latim “sapere” – "saborear"). Sei. Mas acho que se cedesse ao negro mercê desses recontros seria uma pessoa menos feliz. Se calhar vivo com uma venda nos olhos ou então, como já me disseram, numa bolha. A bolha do optimismo que contém todas as cores, como num caleidoscópio. Mas sou feliz assim. Claro que não sou feliz todos os dias, a todas as horas, minutos e segundos, também tenho os meus momentos e levo algum tempo a me re-erguer. Naturalmente. Mas não será por isso que vou deixar de acreditar em coisas bonitas e de me esforçar por as encontrar todos os dias nos mais pequenos gestos do quotidiano. Não vou armar de ferro o meu coração e coibir-me de dizer o que sinto com medo de ser mal aceite pelos outros. Não tenho nada contra as tribos urbanas – a não ser o hermetismo subjacente à ideologia – (não esqueço que algumas das pessoas mais interessantes e admiráveis de que tenho a honra de ser amiga deles fazem parte integrante), porém preocupa-me bastante esta invasão das trevas enquanto modo de sentir e viver que não tendo directamente a ver com esses grupos (apesar de eles encontrarem eco e se reverem grandemente nisso), atravessa todos os sectores da sociedade, nomeadamente através da cultura, que no nosso tempo é inevitavelmente de massas. Não gosto, preferia pintar para os meus filhos um mundo diferente, com menos ruído, menos aço e mais cor. Não tão profundamente triste, humanamente seco.
Findas estas reflexões filosóficas, regresso dessa bolha que é o meu mundo (onde tudo tem luz, cor (todas as cores) e o sabor (e todos os sabores) do que mais se quer e se gosta) e olho o branco (soma de todas as cores) no meu outro mundo que é o quarto: observo o tecto, depois as paredes, em seguida o meu armário e logo a minha roupa de Verão. A minha roupa. Porque aqui o Verão é o ano todo. Depois reduzo o escopo para mais perto: o pijama, os lençóis, a colcha. Tudo branco.
Vivo mesmo num mundo à parte.
4 comentários:
Custa.me comentar um texto tao longo, mas quero que saibas que o li com toda a atençao e concordo integralmente. Abomino o dark side de que tantos são apologistas, mas adoro chorar com o que esses dois senhores que referiste fazem...é bom revermo-nos nas obras de outros...e sentir que não somos os únicos.
Tens toda a razão nas tuas reflexões filosóficas.
E mais, eu penso que essa cultura de massas, que se vive um pouco por todos os países industrializados, está ao serviço de uma outra cultura emergente: a do medo. E nessa, o optimismo não tem lugar.
Mas porque raios chamaram a isso de uma feira renascentista? Não seria antes um baile de máscaras?
Amarga,
Eu e as minhas longas, longuíssimas, reflexões filosóficas. A minha irmã mais nova também me está sempre a dizer que lhe custa muito ler... Sorry! Acho que é um problema de raciocínio que tenho, não consigo ser muito concisa. :( Mas alegra-me (e descansa-me) que te tenhas revisto ideologicamente...
Anabela,
O medo, pois... escrevi de rajada, não me ocorreu. Mas estás coberta de razão. Clicaste no link? Publicidade enganosa! Tratou-se de facto de um baile de máscaras, uma mescla de Carnaval-Halloween...
Jinhos às duas.
bm...a mana mais nova sou eu!:P eu li tba..se keres k t diga..muito na diagonal..:P ms li!se bem..que isso n m é nada estranho...as pessoas refugiarem se no escuro..a espera k dali saia outra coisa..a procura deles proprios..supostamente mas k se transformam...e axam k veem td uma so realidade..k é a dura realidade..axando k xegam mais deprexa a obra genial..k descrevem a vida...pelo seu lado mais complexo..Dei, é a tal coisa..kem ta no meio das artes..ve tanta coisa...k no fim ja n sabe nada...ms entende se o lado em k as pessoas s poem..sejam vcs ou os DARKS...pr vezes por 1kestao meramente social k ser diferente é in, e mostra k és artista...tem haver com a imagem d o artista n ser obra so em si..mas sim a pessoa tba..entao veem na obrigaçao de se transformar incluindo a visao da vida..e sendo bela a visao..torna se cliché...e surreal, e a desculpa dos pessimistas é dizer k sao realistas...k é a verdade...k a vida é axim..inventando mil e umas desclpas teorias para as suas proprias divagaçoes...n sei s sou suficientemente clara...ms sabes..os tipicos portugueses ja tem no sangue exe lado..do DESTINO..o fado...o k nada s pode fazer...os outros..é simplesmente o lado humano..derrotista...ms artistas..:P n sei...hei d reescrever um texto tentando ser explicita.axim..n da!:P sou confusa..tal cmo tds eles..e tal como reflexo deste Mundo!:)) BJINHS Nininha
Enviar um comentário