Dei comigo ontem à noite, à hora que devia ser como sempre de preparação do jantar, àquela hora que tem trinta e poucos minutos e que antecede a noite propriamente dita, todas as noites…; dei comigo então, depois de um telefonema em forma de coincidência, a cirandear pelos corredores da minha casa, remexendo armários, desfazendo gavetas, explodindo brincos, braceletes, écharpes e outras peças de roupa leve, para compor um pequeno milagre a enviar à minha irmã Teresa nos Açores.
A minha irmã Teresa está a trabalhar nos Açores há cerca de meio ano e é lá muito feliz – toda borboletas e bonequinhos no estetoscópio pequenino, cada dia a medir, pesar e ouvir corações ainda mais pequeninos.
Curiosamente, foi a minha irmã Teresa, juntamente com o meu irmão Nuno, quem começou lá em casa, esta coisa da composição de pequenos milagres a enviar. Quando fui para os EUA, eles foram livros e cds, eles foram chás e chocolates, eles foram queijo da serra, eles, cuidado e carinho, eles, uma multiplicidade de pequenos milagres, de tão longe tão perto, o Amor, numa caixa.
Agora que penso nisso, a minha mãe também é assim. Volta e meia, lembra-se, e, porque sim, manda-nos um milagre pequenino. Somos o que fazemos. Somos aonde conseguimos chegar. Somos quem tocamos. Somos o que fazemos – inequivocamente. E, querendo, querendo muito, é possível desdobrar os cantos à distância, apagar-lhe as margens do tempo, e encontrarmo-nos, dentro de uma caixa, à esquina dos nossos percursos cruzados, num interstício misterioso.
Pensava nisto precisamente há pouco, quando regressava do almoço e me encaminhava para o fim da fila mais curta na caixa do supermercado onde fui comprar a garrafa de água para a tarde. Devia estar a sorrir. Sorrio sempre quando penso nestas coisas. (Planava sobre imagens da minha irmã Teresa e a imagem da minha mãe dentro da minha cabeça e fora, em todo o lado no supermercado.) Sorria, tenho a certeza, quando a minha mão se precipitou, automaticamente, num reflexo, para as pastilhas elásticas e o rapazinho à minha frente se voltou para trás para me olhar. Dou-lhe um sorriso de circunstância. Para o sossegar. É verão, está calor, as férias grandes ainda vão a meio, calma. Gosto de adolescentes e normalmente eles retribuem-me estes sorrisos. Não foi o caso. Fechei a janela de pensamento, e o sorriso, e detive-me com o prosaico: a quantidade de sacos da senhora à frente do rapazinho; a senhora, entre sacos, a facilitar o troco à senhora da caixa; o tapete da caixa mais ou menos limpo; o tapete da caixa vazio, a rolar; coloco ou não coloco a água e as pastilhas; o tapete da caixa a rolar; o rapazinho a encolher, a mochila puxá-lo para cima, a mantê-lo bípede, a endireitá-lo, a segurá-lo; o rapazinho a deixar cair das mãos, com algum estrondo, a caixa de preservativos; o tapete da caixa mais ou menos limpo; eu a olhar os pêssegos, as uvas e os morangos, pequeninos, a encimarem as instruções, flavored, da caixa do rapazinho e a pensar. If it sweeps the smile off your face...
Se te rouba o sorriso, então é porque não é.
A minha irmã Teresa está a trabalhar nos Açores há cerca de meio ano e é lá muito feliz – toda borboletas e bonequinhos no estetoscópio pequenino, cada dia a medir, pesar e ouvir corações ainda mais pequeninos.
Curiosamente, foi a minha irmã Teresa, juntamente com o meu irmão Nuno, quem começou lá em casa, esta coisa da composição de pequenos milagres a enviar. Quando fui para os EUA, eles foram livros e cds, eles foram chás e chocolates, eles foram queijo da serra, eles, cuidado e carinho, eles, uma multiplicidade de pequenos milagres, de tão longe tão perto, o Amor, numa caixa.
Agora que penso nisso, a minha mãe também é assim. Volta e meia, lembra-se, e, porque sim, manda-nos um milagre pequenino. Somos o que fazemos. Somos aonde conseguimos chegar. Somos quem tocamos. Somos o que fazemos – inequivocamente. E, querendo, querendo muito, é possível desdobrar os cantos à distância, apagar-lhe as margens do tempo, e encontrarmo-nos, dentro de uma caixa, à esquina dos nossos percursos cruzados, num interstício misterioso.
Pensava nisto precisamente há pouco, quando regressava do almoço e me encaminhava para o fim da fila mais curta na caixa do supermercado onde fui comprar a garrafa de água para a tarde. Devia estar a sorrir. Sorrio sempre quando penso nestas coisas. (Planava sobre imagens da minha irmã Teresa e a imagem da minha mãe dentro da minha cabeça e fora, em todo o lado no supermercado.) Sorria, tenho a certeza, quando a minha mão se precipitou, automaticamente, num reflexo, para as pastilhas elásticas e o rapazinho à minha frente se voltou para trás para me olhar. Dou-lhe um sorriso de circunstância. Para o sossegar. É verão, está calor, as férias grandes ainda vão a meio, calma. Gosto de adolescentes e normalmente eles retribuem-me estes sorrisos. Não foi o caso. Fechei a janela de pensamento, e o sorriso, e detive-me com o prosaico: a quantidade de sacos da senhora à frente do rapazinho; a senhora, entre sacos, a facilitar o troco à senhora da caixa; o tapete da caixa mais ou menos limpo; o tapete da caixa vazio, a rolar; coloco ou não coloco a água e as pastilhas; o tapete da caixa a rolar; o rapazinho a encolher, a mochila puxá-lo para cima, a mantê-lo bípede, a endireitá-lo, a segurá-lo; o rapazinho a deixar cair das mãos, com algum estrondo, a caixa de preservativos; o tapete da caixa mais ou menos limpo; eu a olhar os pêssegos, as uvas e os morangos, pequeninos, a encimarem as instruções, flavored, da caixa do rapazinho e a pensar. If it sweeps the smile off your face...
Se te rouba o sorriso, então é porque não é.
9 comentários:
...*
Ana Salomé,
;)
Jinhos.
estes teus textos têm o humor subtil do vento suão e a simplicidade e a ternura pelas pequenas coisas coisas e pelas pessoas que são, na verdade, os pequenos grandes tesouros.
Comboio,
A rush of blood to the head, face, cheeks.
Descarrilei.
Jinhos, com vénia. :)))
não esperava este final, juro.
:)
*
Acho que cá em casa o hábito de mandar amor em caixinhas =)
Seja com cobertores gigantes para a mana não ter frio no Inverno de Barcelona ou em tupperwares de comida para comer a comida da mamã em Braga e não morrer á fome! :)) Porque no fundo "Somos o que fazemos. Somos aonde conseguimos chegar. Somos quem tocamos.", always.
Um beijinho*
Querida Joana,
Soa lindamente!
Beijicos
Vanessa,
;)
Frida,
Porque será que tal não me surpreende? :D
Rosário,
:D
(A preparar a chegada a terras lusas?)
Jinhos a todas.
Frida,
Somos mesmo. Querendo ou não querendo, gostando ou não, o que sentimos é connosco. Sempre.
O que somos é o que fazemos ao outro, pelo outro. Cobertores e comida. Que lindo!
:)))))
Dá-me sempre que pensar, a menina. Obrigada.
Jinhos.
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