Um dia a minha mãe mudou de dentista. Graças às maravilhas da globalização, competição e concorrência, no mercado das telecomunicações, a minha mãe não viu a agulha, não sentiu a picadinha da anestesia, não deu por nada senão quando a Lília disse, já está, mas faça como eu, o meu marido, a minha mãe, adopte esse tarifário, assim até falava com a Teresa, olhe, reconstruí como lhe disse, nota alguma diferença?
A Lília. A Lília era amiga de uma amiga da minha irmã Teresa dos tempos do colégio. A Lília tinha um irmão, o Sancho, que era colega do meu irmão Nuno, mesmo ano, mesma turma, tudo. A Lília tinha um tio que era professor de ambos os meus irmãos no Conservatório. A Lília tornou-se amiga da minha irmã Teresa instantaneamente. Com algumas pessoas é sempre assim.
A minha mãe não sabia, ou não se lembrava, da Lília; a minha irmã Teresa não sabe da Lília – e há que tempos!, a Lília, sabendo o suficiente, topou tudo pelo apelido da minha mãe. A minha mãe agradeceu o reconhecimento, entreteve-se a por-lhe em dia as nossas histórias – foi a esse respeito e bem a propósito que a Lília falou dos tarifários – e nem deu pela dor passar.
Já eu, dou por mim a falar actualmente com a minha mãe mais, muito mais, do que no tempo em que ingressei na Universidade, por exemplo. Na realidade, falamos todos os dias.
No tempo em que ingressei na Universidade, vivia num lar e o meu quarto ficava exactamente depois da sala do telefone do segundo andar. Era, à esquerda, o primeiro quarto do corredor, o que significava que. E o que isso me aborrecia. Com os anos tenho vindo a aperceber-me de que há inequivocamente algo no ser ilhéu e – muito importante – madeirense, que nos couraça de alguma forma para a saudade, a distância, ao mesmo tempo que nos agiliza para a mudança, qualquer mudança. Saber de experiência, e muita observação, feito. Então, no tempo em que ecos de um mar de lágrimas nortenho, açoriano, beirão, repetido noite-após-noite à hora da ceia, chegavam ao livro que lia avidamente no meu quarto, nesse tempo, a minha mãe era nova e falava comigo às quartas-feiras depois do trabalho e ao Domingo à noite. Nesse tempo tão cheio, eu tinha um mundo, todas as coisas, para lhe dizer: as alegrias da Faculdade, as surpresas da Faculdade, as chatices da Faculdade; o que queria fazer, o que não queria fazer, onde queria ir quando, onde ficaria se. A minha mãe era nova e ouvia e ria e dizia, fizeste bem, então, não sejas assim, pois eu acho bem que vás.
O amor é uma companhia. Um dia a minha mãe deixou de ser nova e as palavras multiplicaram-se. Cresceram. À força da distância, do tempo, e pelo carinho, - um amor infinito... -, arredondaram-se – é assim que atravessam o oceano que nos separa. Um dia a minha mãe deixou de ser nova e eu percebi. O amor é uma companhia e a vida, momentos. Às vezes, quando nos aborrecemos, ela diz-me: tens o feitio, hipersensível, do teu avô; outras vezes, muitas vezes, fala dos trabalhos de mãos que vamos fazer estas férias – à varanda, ao fim do dia, nós as duas, como sempre –; daquela peça recente para decorar a sala, daquela outra que pretende comprar, da vida, do mundo, do tempo. Quando não temos nada para dizer, coisa rara, então à porta da Biblioteca?, e eu, claro!, és mesmo igual à tua bisavó, a tua bisavó gostava de assistir à missa dos pescadores que era, naquele tempo, às quatro e meia da manhã..., e sabes a que horas ia para a porta da Igreja?
E eu, esquecendo a pergunta, sabendo, de serões antigos, a resposta, perco-me, penso neste património genético, inefável e tão nosso, neste amor-companhia, tão meu... E começo o dia com um sorriso maior.
A Lília. A Lília era amiga de uma amiga da minha irmã Teresa dos tempos do colégio. A Lília tinha um irmão, o Sancho, que era colega do meu irmão Nuno, mesmo ano, mesma turma, tudo. A Lília tinha um tio que era professor de ambos os meus irmãos no Conservatório. A Lília tornou-se amiga da minha irmã Teresa instantaneamente. Com algumas pessoas é sempre assim.
A minha mãe não sabia, ou não se lembrava, da Lília; a minha irmã Teresa não sabe da Lília – e há que tempos!, a Lília, sabendo o suficiente, topou tudo pelo apelido da minha mãe. A minha mãe agradeceu o reconhecimento, entreteve-se a por-lhe em dia as nossas histórias – foi a esse respeito e bem a propósito que a Lília falou dos tarifários – e nem deu pela dor passar.
Já eu, dou por mim a falar actualmente com a minha mãe mais, muito mais, do que no tempo em que ingressei na Universidade, por exemplo. Na realidade, falamos todos os dias.
No tempo em que ingressei na Universidade, vivia num lar e o meu quarto ficava exactamente depois da sala do telefone do segundo andar. Era, à esquerda, o primeiro quarto do corredor, o que significava que. E o que isso me aborrecia. Com os anos tenho vindo a aperceber-me de que há inequivocamente algo no ser ilhéu e – muito importante – madeirense, que nos couraça de alguma forma para a saudade, a distância, ao mesmo tempo que nos agiliza para a mudança, qualquer mudança. Saber de experiência, e muita observação, feito. Então, no tempo em que ecos de um mar de lágrimas nortenho, açoriano, beirão, repetido noite-após-noite à hora da ceia, chegavam ao livro que lia avidamente no meu quarto, nesse tempo, a minha mãe era nova e falava comigo às quartas-feiras depois do trabalho e ao Domingo à noite. Nesse tempo tão cheio, eu tinha um mundo, todas as coisas, para lhe dizer: as alegrias da Faculdade, as surpresas da Faculdade, as chatices da Faculdade; o que queria fazer, o que não queria fazer, onde queria ir quando, onde ficaria se. A minha mãe era nova e ouvia e ria e dizia, fizeste bem, então, não sejas assim, pois eu acho bem que vás.
O amor é uma companhia. Um dia a minha mãe deixou de ser nova e as palavras multiplicaram-se. Cresceram. À força da distância, do tempo, e pelo carinho, - um amor infinito... -, arredondaram-se – é assim que atravessam o oceano que nos separa. Um dia a minha mãe deixou de ser nova e eu percebi. O amor é uma companhia e a vida, momentos. Às vezes, quando nos aborrecemos, ela diz-me: tens o feitio, hipersensível, do teu avô; outras vezes, muitas vezes, fala dos trabalhos de mãos que vamos fazer estas férias – à varanda, ao fim do dia, nós as duas, como sempre –; daquela peça recente para decorar a sala, daquela outra que pretende comprar, da vida, do mundo, do tempo. Quando não temos nada para dizer, coisa rara, então à porta da Biblioteca?, e eu, claro!, és mesmo igual à tua bisavó, a tua bisavó gostava de assistir à missa dos pescadores que era, naquele tempo, às quatro e meia da manhã..., e sabes a que horas ia para a porta da Igreja?
E eu, esquecendo a pergunta, sabendo, de serões antigos, a resposta, perco-me, penso neste património genético, inefável e tão nosso, neste amor-companhia, tão meu... E começo o dia com um sorriso maior.
6 comentários:
Que sensibilidade :') Acho que quanto mais longe estamos das pessoas, mais nos tornamos dependentes delas, do amor delas, para nos sentirmos perto [quase junto] delas. A distância ensina-nos isso. E a tua mãe ia sentir-se tão cheia se te lê-se agora. :))
Um beijinho*
Frida,
Uma sensibilidade Hiper... :))))))
Pois é. A distância ensina-nos muita coisa... e, sabes, AINDA BEM!!!
Jinhos.
tão linda. :)
eu sei isso muito bem. as histórias que ouvimos vezes sem conta pelo telefone como se fosse a primeira vez e houvesse sempre tanto para contar. é o tempo, são os amigos, as alegrias e os contratempos. as teimosias também. :) e parece que - pelo menos naqueles minutos - eles estão mesmo ali ao pé e nunca saímos da beira deles. e que o telefone toca de maneira diferente quando são eles que estão do outro lado. há sempre tempo para. e o amor cresce e cresce e julgamos que nunca mais acaba. e julgamos (até!) que eles também nunca terão fim enquanto nos embalarem em conversas intermináveis sobre o nosso património genético. nós nem dizemos nada mas... que ficamos logo inchadas de orgulho, ficamos! ora confessa lá... :p
«o amor é uma companhia.»
(suspiro.)
beijinho*
Vanessa,
Ficamos, confesso. :))))))
(Devia *emoldurar* este teu comentário - tão, tãaao perfeito!)
Jinhos, linda.
joaninha: que bonito! São "coisas" assim que ainda hoje se me enrolam na garganta juntas com uma lagrimita,de "inveja" das mamâs... ÀMANHÃ VOU PARA O CASTELO DE BODE.
Já lhe disseram que o seu "estilo" está a ficar cada dia mais pessoalizado,exclusivo e intimista? E CHEIO DE RITMO...merece mais do que este espacinho aqui. Bjs.
Querida Maria de Lourdes,
Que bom tê-la emocionado!
(Quanto ao resto, não sei que dizer... Obrigada!)
Jinhos.
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