Tenho vocação para ser pessoa idosa. Inequivocamente.
Agora, por exemplo, no momento em que escrevo este texto sentada na varanda, rosto iluminado apenas pelo écran do computador, camisa de dormir fininha, passando - espero eu!... - por vestidinho de Verão, encontro o olhar - e o pijama - do senhor do prédio em frente, à sua varanda, também. E... agora já não está, foi-se embora, levou consigo o olhar de fim de dia fechando a janela bem no momento em que eu fechava a frase anterior: no ponto final.
Tenho vocação para ser pessoa idosa.
Uma atenção desanimada ao avô que lança pela enésima vez o netinho ao ar nos prédios novos aqui ao lado. A mesma atenção, automática, ao tal avô que lhe conta agora deste céu que é mar de nuvens, ao mesma atenção ao avô que reproduz o movimento das vagas com uma mão, que balança o bebé com a outra, que de quando em vez aponta para cima. A mesma exacta atenção, rotinizada, à criança que se diverte, que quer entrar nas nuvens, metê-las ao bolso, voltar cá para baixo...; a mesma atenção à criança que se ri, dá palminhas e fala, muito, muito, a mesma atenção à avó que a chama para dentro, ao pai que lhe quer dar colo agora, à pequena mutidão que regressa lentamente à sala. O único pontinho de luz nos prédios novos, um raiozinho de curiosidade a entrar-me pelo lado esquerdo.
Tenho vocação para ser pessoa idosa.
Amo, à minha maneira, a minha família, os meus amigos, os meus amores. Não vivo sem o trabalho que me dá o trabalho. Gosto de adolescentes. Olho para sorrir e sorrio para ver. Prezo as minhas rotinas, os meus momentos, os meus lugares. Tenho os meus recantos e um roteiro de eleição sempre pronto para os amigos. Guardo memórias. Prefiro os serões em casa e na companhia de poucos. Leio para escrever. Alegram-me as plantinhas de que cuido na varanda. Aproveito, e cultivo, o sossego. Encantam-me as pessoas. Todas as pessoas.
Tenho vocação para ser pessoa idosa.
Uma vontade cansada. Um sorriso velho.
Mas, bonito, não há ternura para além de ti. És a pessoa mais terna que conheço, bonito.
De uma ternura imensa, bonito.
E isso, bonito, isso faz-me repensar a vida.
8 comentários:
bonito, bonito serviço!
;-)
Ouriço,
;)
Jinhos.
depois de ler o texto, chego a uma conclusão: se isso tudo é ter vocação para ser pessoa idosa, eu também a tenho. e com muito orgulho.
:)
(e o teu sorriso é tudo menos velho, menina. devias saber. :p)
beijinho*
Vanessa,
As vocações são tramadas...
:)))))))))))))))))))))))))))
Pois devia. (És uma querida, mas olha que tem dias!... Vem comigo no comboio para veres... ehe!)
Jinhos.
então eu apanho-te sempre nos dias bons. é que, «cansado» até acredito, agora, nunca chega a ser velho. a não ser que «velho» aqui queira dizer «muito usado». eu cá digo que é sempre bom usar sorrisos. :))
(ando numa onda de ouvir chico buarque até à exaustão, mais precisamente, a música construção. dá-me um desconto nos adjectivos. hoje estou como ele: capaz de revirá-los todos como mais me convém. :p)
beijinho*
Vanessa,
Ah pois é: a menina merece o(s) meu(s) melhor(es) sorriso(s).
:)))))))))))))))))))))))))))))))))
Chico Buarque, adoro! (Podes revirar tudo à vontade, be my guest!)
Jinhos.
Tão, mas tão bonito. E fiquei a achar que também tenho uma vocaçãozinha para ser pessoa idosa :))
Um beijinho*
Frida,
Ehehehehe! :)))))))))))))) Linda!
Jinhos.
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