domingo, novembro 19, 2006

Do Céu?

Manel (Lisbon), Suzana (Brazil), Me (Madeira?, Braga?, Porto?), Linda (Alaska)
Can you see my 'Arroz Doce'? Damn cups!

Talvez.

Cheguei a Houston há pouco mais de um ano. E nunca como nesta última semana andei tão ocupada.

Aparentemente, os referees das conferências em que quero pasticipar (de Maio a Setembro!) congeminaram todos e em concílio acharam por bem estabelecer que o prazo para o envio de abstracts para as ditas – à excepção de uma – fosse esta semana.

Se juntarmos a isso as aulas, os trabalhos para cada aula, as leituras, a família, os amigos e o aviso – à ultima da hora (tão português!) – de que convinha fazer “uns bolos” porque o senhor Manel não sabe cozinhar e a IEW (International Education Week) esta aí e na sexta é dia de Portugal, que, já se está a ver, se não tiver “bolos ou outra coisa assim” a representá-lo, será engolido pelo Brasil via uma avalanche de brigadeiros e um maremoto de guaraná. “E depois tu sabes cozinhar, tens cara disso, anda lá, um intervalo culinário é mesmo o que tu precisas, esses abstracts andam-te a fazer mal, não estás com boa cara.” (“Boa cara.” Como se fosse questão disso, como se isso fosse importante para o caso. Eis o poder da argumentação masculina ou de como o Y sabe bem o que põe o X a mexer!…)

Somos dois os portugueses da Rice: o Manel e eu. O Manel é adorável, mas do alto dos seus vinte e três aninhos, cheiinhos de mimo até aos bordos, não cozinha. Não sabe cozinhar. O geniozinho que o IST mandou para cá não sabe cozinhar! Mas comer sabe (e bem!), além do que se pela por bolos. E pela minha t-shirt de apoio a Selecção no Mundial. (a qual, devo dizê-lo, só no final do dia, a muito custo, e com grande temor (!?) finalmente pediu. “É que (…) eu passei cá o Mundial… no laboratorio… a trabalhar… E cá não há disso (...) não conhecia (…) Mas é para eu ficar, não é emprestada, entendes?!” “Entendo, Manel. Fica.”

Claro que não fiz nenhum intervalo culinário. O meu país merece mais do que um intervalo! Claro que não fiz nenhum bolo – nem quisesse, não podia: não tenho forno. “Manel, arranja outra para te cozinhar bolos!”, pensei. Mas não disse. Claro.

Tinha que fazer algo tradicional que fosse simples, minimamente rápido, que não implicasse forno e cujos ingredientes fossem de acesso fácil por estes lados.

Arroz doce. Nem sei como, mas foi o que me ocorreu logo. Respeitava todos os meu critérios. Canela é o que mais há por aqui. E nada sabe nem cheira mais a Portugal, a Natal e a casa do que um bom Arroz Doce.

Dediquei o meu final de tarde de quinta feira inteiramente à causa da representação de Portugal na IEW. Para isso, socorri-me da Lígia. (http://asreceitasdaligia.blogspot.com/). A blogosfera tem destas coisas. Boas. À distância de um clique. Apenas.

Não segui a receita religiosamente, nunca consigo: enriqueci-a com peras cozidas, à semelhança do que me foi dado a saborear da primeira vez, há muito, muito tempo atrás.

Fiz muito. Defeito familiar: na minha casa cozinhava-se sempre muito. Éramos muitos também. Coisas de família numerosa. Mas aqui também somos, pensei. Muitos sempre, família às vezes. Há a da minha casa, os meus três room-mates – um boliviano, um americano, uma chinesa – e a minha land landy; a do Departamento e a do English Corner… sem esquecer nunca o objectivo principal: a IEW.

Assim sendo, comecei às oito e só terminei, loiça lavada, seca e arrumada, depois das onze. Entretanto, o cheiro da baunilha, dos ovos e da canela, que impregnava toda a cozinha, invadia, sorrateiro, pelo buraquinho das fechaduras, os quartos. Isto a ver pela agitação e constantes visitas do Alejandro à cozinha. Perguntou-me. Finalmente. Expliquei. Disse-lhe também que tínhamos Arroz Doce para uns dias e que, como já estavam a dormir, escreveria um bilhetinho a dar conta disso mesmo aos outros dois – agradeceu-me a generosidade – (generosidade???) – com os olhos marejados de lágrimas. Depois, o doce do Arroz cumpriu a sua função e soprou os projectos de lágrima para longe. “Na Bolívia também tem disso, a gente chama “Arroz de Leite”, é uma sobremesa muito popular, quase diária, mas o seu…, Joana, que delícia!” O Alejandro é da Bolívia e portanto conhece bem o Brasil – resultado: falamo-nos sempre em Português.

Correcção: temos Arroz Doce para dias se ele entretanto não transformar esses dias em horas…

Adiante, no Departamento desapareceu em minutos – para tristeza dos alemães, dos coreanos e até dos americanos, que se desdobraram em sorrisos – os tímidos orientais, who else? – e agradecimentos (agradecimentos???) – os americanos e os alemães despachados, claro!

Na IEW, meu objectivo primeiro, evaporou-se, a uma velocidade verdadeiramente vertiginosa, inversamente proporcional ao tempo que permaneceu quase o único tópico de discussão – com direito a divulgação da receita world widely!

A comida aproxima as pessoas. Realmente. Porque, na realidade, muitas vezes as consola, e consolando-as leva-as para muito longe, para lugares e tempos bons. Ao Alejandro levou para casa, à Suzana, the Portuguese Lecturer, ao Brasil da sua infância, ao Manel aos seus Natais em Lisboa.

O meu Arroz. Gente tão diversa a tantos sítios. E eu que apenas queria levá-los a saborear Portugal no Natal!...

3 comentários:

Rosario Andrade disse...

Bom dia JJ!
...mai nada! Comidinha portuguesa, sempre afazer furor! Aqui também me acontece...
e quando as vezes comemos fora ou comida pre-cozinhada por causa dos horários apertados, o meu rapaz ja torce o nariz, ele que quando o conheci se lambuzava com as mais diversas zurrapas, agora so quer comidinha caseira. De Portugal.
Bjicos anchos

Anónimo disse...

Dia de Portugal e das comunidades é quando um habitante overseas entende :D

Joana disse...

Rosário,

Muito me conta... Não há comida como a nossa, realmente. ;)

Cientista,

Suponho que sim, apesar de este estar marcado desde Agosto para esta semana precisamente - eu é que, cabeça nas nuvens, já não me lembrava.

Jinhos.