quarta-feira, novembro 22, 2006

Thanksgiving: é amanhã!



Recebi há pouco no mail uma mensagem do Birthday Alarm a lembrar que quinta-feira é dia de Acção de Graças e que portanto convinha mandar uns cards to family and friends. O Birthday Alarm não sabe que abomino e-cards e só faço uso deles quando as palavras ditas via telefone ou telemóvel e as escritas via Messenger ou e-mail não me são, pelas mais variadas razões, possíveis – o que raramente acontece.

Para os americanos o Thanksgiving é tão importante como para nós o Natal. Da celebração do primeiro ano de prosperidade dos puritanos colonos britânicos, rapidamente passou à celebração da prosperidade e união da família – conceito muito caro à american way of life. É como se se tratasse de uma espécie de ante-câmara do Natal. (Embora por vezes sinta que para alguns este dia é ainda mais importante que o da Natividade.) Suponho que estejam agradecidos pela opulência e pela prosperidade que tão bem caracterizam este país. Note-se porém que a porque a fartura que os puritanos conseguiram deveu-se única e exclusivamente à ajuda dos índios, até então arqui-inimigos, os quais, profundos conhecedores das especificidades do deserto americano, generosamente, transmitiram aos brancos preciosos ensinamentos relativamente ao respeito pela Natureza e sua eficaz manipulação, exploração e uso, nomeadamente no que diz respeito às colheitas a cultivar: milho, batata, abóbora, frutos silvestres... O que por si só dá uma grande lição de valorização das minorias étnicas e da diferença que aparentemente foi obscurecida pelo capitlismo e se perdeu nos caminhos do tempo.

O ano passado vivi o Thanksgiving de forma atribulada: tinha chegado há precisamente sete dias, a minha anfitriã foi tudo menos hospitaleira, não conhecia bem as pessoas do departamento – embora fossem todas muito simpáticas, diria mesmo acolhedoras (felizmente, para compensar o pesado ambiente em que vivia). O chefe do Departamento, um ilustríssimo linguista japonês, convidou-nos a todos a passarmos com ele o dia – desde que trouxéssemos, cada um de nós, algo para a refeição partilhada. Estava sozinho, a mulher encontrava-se em Paris numa conferência, e Thanksgiving que se preze não pode ser passado na solidão. Especialmente quando se sabe que sozinhos estariam também as duas dezenas de gradstudents do Departamento. Foi bom. Gostei. Passei a conhecer melhor muita gente, ri-me bastante, conversei muito, e isso – e a ausência da minha anfitriã, que optou por ir a outra festa – fez-me feliz. Mas também fico feliz com pouco, devo dizê-lo, já que toda a gente que me conhece o sabe e mo diz. A felicidade é uma coisa simples. Continuo a afirmar, porque continuo a achar. Para choque sempiterno dos meus amigos.

Este ano não vamos a casa do Professor. Deve ter cá a mulher. Havia inicialmente um projecto para se fazer algo idêntico, a reunião de todos os grads do Departamento, na casa de alguém. Mas até agora nada de concreto chegou a minha caixa de correio electrónico. Este ano também a minha senhoria – colombiana de nascença, mas americana (dos quatro costados!) pelo casamento – convidou-me para o seu Thanksgiving. Agradeci. Significou muito para mim. Não era preciso. Expliquei-lhe a tradição departamental. Percebeu, mas não aceitou isso como um não. Fica à minha espera na mesma. No matter at what time you get here! Este ano ainda, a minha anfitriã de outrora convidou-me a ir com ela à festa que optou por ir o ano passado. Porque muita água passou por debaixo das pontes e eu fechei os olhos a muita coisa. Porque engoli outras tantas coisas e fingi que não percebia, que não entendia sequer e que não ouvia, e durante todo o tempo não fugi à fala, conversei normalmente e sorri. Sempre. Sorri muito, muitas vezes a muito custo, sem querer, muitas vezes só para chamar a mim a alegria que fugia de cada vez que lhe ouvia as indirectas, as piadinhas de mau gosto e os risinhos.

“Vou contigo, claro, deve ser giro passar o Thanksgiving com uma família americana, se não formos a casa do Professor S. e se entretanto a L. não fizer uma coisa idêntica em casa dela.” Não a coloquei em terceiro lugar por qualquer tipo de vingançazinha pessoal ou despeito. Não sou disso. Disse-lhe com sinceridade, olhos nos olhos, qual o programa que mais me agradaria. Porque gostaria de estar com as pessoas do meu Departamento, livre de prazos de entrega, leituras obrigatórias, trabalhos, papers e abstracts... Ela aceitou como se de um sim se tratasse – novamente! What’s wrong with these people? –, ficou feliz e ainda bem. Torço para que a L. acolha o Thanksgiving departamental na sua casa. Mas como me conheço, e sei bem as voltas que a minha vida dá sempre, tenho a certeza de que vou ao Thanksgiving americano com a minha ex-anfitriã.

E vou gostar, vai ser diferente, uma experiência completamente nova, e vou fazer o que mais gosto na vida, observar e tentar perceber o porquê das coisas. E vou ser feliz! Assim. Exactamente assim.

Cá entre nós, o meu Dia-de-Acção de Graças, é todos os dias. De manhã. Vivo-o sempre à frente do espelho (sim, quando estou muuuuiiiiiiittttoooo ensonada!). E agradeço tudo o que sou e tudo o que tenho. Não é que seja ou tenha muito – até porque não me importava de ser como a Katie Holmes (mas com um outro “Tom Cruise”) ou ganhar como os patrões do BCP – é tão somente porque gosto do que tenho. Não que isso me baste – claro que quero ser mais e melhor – mas satisfaz-me e satisfazendo-me dá-me serenidade, esperança e confiança para encarar todos os dias ou como uma continuação, ou como um recomeço. Tudo é mais fácil assim.

Hoje entramos em Thanksgiving Recess, quatro diazinhos de interrupção que vêm mesmo a calhar para recarregar baterias. O campus está vazio, completamente abandonado e entregue a um silêncio sepulcral. Chegou finalmente o frio, as músicas e a iluminação natalícia a estas paragens. Acabo de comer a minha última porção de Arroz Doce e noto que as minhas mãos ainda cheiram às tangerinas do pequeno-almoço. Fecho os olhos. Estou na minha casa, no Natal, com as pessoas que me enchem o coração, no Natal da minha casa lá longe, no Natal que não terei este ano pela terceira vez consecutiva. Lembrei-me de vocês. De todos os que comentam. Dos regulares. Dos esporádicos. Dos do início. Dos de sempre. Dos que só agora param por aqui. Dos que lêem e não comentam. Dos que comentam quase sem ler. De todos. Porque raramente deixam este espaço em silêncio. Porque muitas vezes, mais do que alguma vez pensei, são vocês as pessoas que me enchem o coração. E isso é bom: faz-me bem. Estou-vos agradecida. Dou-vos graças. Por isso. Por tudo.

Amanhã, antes do peru que não comerei (a não ser que seja de tofu), pensarei em vocês. Todos.

16 comentários:

Joana disse...

Cemremos,

Thank YOU for being here/there for me. :)

Jinhos.

amarga disse...

Obrigada pelos teus beijinhos virtuais.Fez-me tao bem "ler". Estive (e estou) ainda um bocadinho ausente.Em todos os sentidos.Mas nao sabes como me faz feliz ter um conforto, ainda que virtual, ainda que do outro lado do oceano.Não tenho deixado de te ler. E espero que embora longe, o teu Dia de Acção de Graças seja cheio de paz e alegria, do fundo do coração.

Joana disse...

Amarga,

Obrigada. Por tudo. Este post é muito para ti. (Sabes disso?!)

Que (re)encontres a tua "paz e alegria" em plenitude. Não importa quando.

Jinhos.

P.S. Este teu comment comoveu-me. Profundamente. Por todas as razões. Admiro-te e gosto muito de ti.

Unknown disse...

Achei este teu post bastante interessante, até pq finalmente cheguei a compreender um pouco melhor a importância do dia para a comunidade norte-americana.

Quanto ao convite da tua anfitriã, se me permites, acho que respondeste muito bem, no sentido de dizeres o que realmente preferias fazer nessa noite. Sem rodeios, sem a subtileza muito própria dos latinos (em particular dos portugueses) que gostam de andar à volta do assunto e não responder absolutamente nada. Foste sincera e eficaz. Os estrangeiros apreciam isto. :)

Bjzz e Happy Thanksgiving!

Anónimo disse...

Happy Thanksgiving, mesmo na tangente :)

Rosario Andrade disse...

Bom dia JJ!
Aqui o peru tem mais umas semanitas de vida...até ao Natal!Coitaditos... é triste estar no fundo da cadeia alimentar!
Bjco ancho

Joana disse...

Kraak/Peixinho,

Um bocadinho de american culture não faz mal a ninguém de vez em quando. ;)
A minha ex-anfitriã é mais latina que nos até: é da America Latina, mais precisamente do México! Mas percebi perfeitamente o que me quiseste dizer - nem calculas as inimizades que ganhei em Portugal por causa da minha "mania" da frontalidade...

Cientista,

OBRIGADA!!! :P

Rosário,

Mas aqui também, coitado! Foi ontem, é na véspera de Natal e novamente Fim de Ano.
Tadinhos dos perus, todos, mas lá que peru americano sofre mais, sofre, com o coração nas mãos, a triplicar... :(

Jinhos a todos.

Maria de Lourdes Beja disse...

este é o 2º comentário que lhe dirijo.Houve um que se perdeu não sei porquê.Dizia-lhe que nesse seu Natal antecipado lhe guardaria um cantinho no meu coração e um lugar de 1ª fila nas minhas orações...Dizia também que me estou apercebendo de que já a vou
estimando um pouquinho...
Mª DE LOURDES BEJA

Joana disse...

Maria de Lourdes,

Perdeu-se? Que pena, pensava que a mudança para Beta-Blogger me imunizaria disso...

Está no meu desde o começo, sabia?! (Também era muito, muito para si este post! :) E nem sei que diga da 1a fila, agradeço de coração!

Jinhos com muita estima e admiração.

Doppelganger. disse...

e bom pensares em toda a gente...
passa plo meu outro blog....

www.ser-pensativo.blogspot.com

o outro e so pa dspachar a tentativa de humor...lol

bjs

Joana disse...

Guevara,

Claro! Sabes, no fundo todos somos um. Apenas.

Percebi há tempos que o outro blog era mais sério, nessa altura não comentei porque o assunto era importante e não estava nos meus dias. Passo já lá! ;)

Jinhos.

Doppelganger. disse...

obrigado, sabs pq Atena?
Pq foi um site dubio, ou uma ma leitura,ou uma mistura das duas...sorry, senhor classicista...
bjnhs

Joana disse...

Guevara,

No sorries, please! Errare humanum est. ;)

Jinhos da "senhorA classicista", ou melhor Menina... classicista, linguista, pacifista, portista, vegetariana - ok, neste adjectivo o sufixo -ista já não funciona :(

P.S. Continua a escrever, que continuarei a ler e a comentar. :)

Joana disse...

Jsilvio,

Sou vegetariana. ;)

Mas percebi a piada, madeirense de um raio! :P

Jinhos.

Anabela disse...

Pronto! Foste tocada pelo espírito do Dia de Acção de Graças...

E tenho pena de não ter lido este post há mais tempo! Graças para ti, também!

Joana disse...

Anabela,

Completamente, inevitavelmente tocada. ;)

Jinhos.