quarta-feira, novembro 15, 2006

La Finta Giardiniera


Devia ser feriado à quarta.
À quarta, o dia é maior – das oito às oito existem pelo menos duzentas e quarenta horas –; à quarta, o trabalho não rende – o inglês dos artigos transforma-se inexplicavelmente numa mistura macarrónica de chinês com linguagem de programação informática e assim não se avança –; à quarta, as pessoas estão aborrecidas, não se lhes pode perguntar nada, porque não sabem, não conhecem, vão ver, já dizem.
Ou se calhar, não. Se calhar o tempo só se prolonga indefinidamente dentro da minha cabeça, bem ao lado gavetinha donde saltaram o chinês e a linguagem da programação. Se calhar eu é que estou aborrecida às quartas e não sei, nem conheço e dizer não digo porque – é quarta ! –, não me apetece. Não gosto das quartas-feiras! A quarta é o pico da semana, aquele momento odioso em que a curva não é ascendente, nem - infelizmente - descendente.
Mas a última - há precisamente oito dias! - não podia ter acabado melhor – rápido, como nenhuma até presente... A velocidade de cruzeiro. Parecia sexta!
Na passada quarta-feira fui assistir a apresentação de La Finta Giardiniera de Mozart pelos alunos de Ópera e de Música de Câmara da Shepherd School of Music.
Composta por Mozart aos dezoito anos, esta ópera é especial porque tem tanto de seria como de buffa, ou seja, combina, com admirável destreza, o contraste entre elementos trágicos e elementos cómicos.
Mas a marca indelével do génio não se fica por aqui, antes se revela a cada momento: na complexidade e na criatividade dos finais dos dois primeiros actos, na beleza de cada ária e até na orquestração, que empresta cor - todas as cores do mundo - ao desenho da paisagem interior do(s) cantor(es).
Gosto de óperas. Sou de lágrima fácil. Choro, desalmadamente, baba e ranho, mesmo naqueles momentos em que ninguém canta e só a música nos vem dizer coisas ao ouvido. E tenho um sentido de humor por acaso difícil, nem tudo me agrada: não gosto de “baixo humor”, nem de demasiado inteligente, humor negro só algum… Enfim, não chorei desta vez, fartei-me de rir, e maravilhei-me. Ante a atemporalidade de carácteres, de posturas, de relacionamentos; ante o constante desfasamento entre o passado e o presente, o certo e o errado, o saber e o não saber, o querer e não querer, o sentir e o dizer…
A história é simples, até lembra, mutatis mutandis, o "Quadrilha" do Carlos Drummond de Andrade: Nardo amava Serpetta que amava Don Anchise que amava Violante que amava Belfiore que, amando Violante, estava noivo de Arminda que amara Raimundo que ainda a ama.
Enfim, um libretto fantástico apresentado através de todo um outro espectáculo: a música de Mozart quando jovem. Absolutamente fabuloso!
Hoje é quarta. Novamente. E de novo o tempo pára. Inexplicavelmente.
Esta noite dormi pouco e mal: tinha deixado demasiado trabalho por fazer. Já fiz. Já foi tudo entregue. Recebi em troca uma dor de cabeça monumental, com direito a sensação de olho pisado, a dobrar - obviamente, but you know what? I totally LOVE what I do!

4 comentários:

Anónimo disse...

Olá JJ

Bom dia!

Como Sempre, um texto e um tema bem escrito e interessante.

Beijinhos

PS. aquela foto é de uma árvore de natal gigante que estão a montar no cais da cidade. Eu meti-me no seu interior e fotografei.
Parece que resultou.

Joana disse...

Resultou e de que maneira!... Está fantástica!!! (Bem, muito ao jeito do que nos vem habituando... :) Jinhos.

Anónimo disse...

Lá porque o homem é senhor do seu nariz...

Joana disse...

Bem, reafirmo o que disse no post anterior (que por acaso é o seguinte na ordem cronológica das postagens). Não obstante, continue a comentar, por favor!... Jinhos.

P.S. Como é que o amigo da Bolachinha chega a este cantinho? À boleia do meu conterrâneo Pestana, não? :P