terça-feira, novembro 07, 2006

As Nozes e os Pecans




Vai uma pessoa na sua paz de espirito comprar o almoço porque se esqueceu de o trazer e já se sabe que não vale a pena chatearmo-nos porque estas coisas acontecem. Assim sendo, desce a pessoa as escadas, a correr – aproveitando as sapatilhas – atravessa, quase a correr – a culpa é das sapatilhas, pois claro, o pequeno trail que separa o department do Student Center, compra o veggie plate do costume em piloto automático e vai para a fila pagar.

Porque entretanto foi buscar uma garrafa de água perde o lugar que, por acaso ou talvez não, lhe é logo cedido, pronta e gentilmente, por um senhor afro-american mais interessado em saber se a camisola que enverga é ou nao da Rice, do que na fila, no lugar e até no almoco. Claro que a pessoa sou eu, porque estas coisas só a mim. Well, is it? Eu: Of course, it is. See? – apontando para as letras rosa RICE UNIVERSITY, HOUSTON, TEXAS. Oh, ok, very nice, blue and pink , you see I didn’t know that one, did you buy it here? Eu: Yep, Campus Store, and I’m sure they still have some left. – disse, já a brincar um pouco com o interesse do senhor. Well, it certainly matches your pants! – disse ele, ignorando a minha provocaçãozinha. Então, não resisti: Ha, ha, not only my pants – e aqui até o senhor da caixa entrou na conversa: Hey, I too want to see that!... My pants and my tennis shoes. See? As minhas calças de ganga rosa são exactamente do mesmo rosa que as letras da camisola e o azul marinho desta é o mesmo das minhas sapatilhas. E despedi-me e deixei os dois homenzitos a murmurarem qualquer coisa acerca das mulheres e da roupa e fui-me embora porque tinha muita fome e muita pressa.


E depois, no meu tempinho só para mim e para os meus botões e já no cantinho predilecto para almoço, a varanda do departamento, estive a pensar no quanto os americanos reparam numa pessoa minuciosamente, mas so por questão de estética, sem fazerem julgamentos ou a meterem em taxonomias – são do estilo de notar quando se cortou as pontas do cabelo ou se fez madeixas, mas não tratam ninguém melhor ou pior por isso – depois, terminado o lunch break, quando me dirigia para o gabinete, detiveram-me o passo em grande alarido porque Suzanne brought us pecans and left them in the kitchen. Come on, Jo! I’m sure, you’ll like them. There very expensive, you know? And pecan pie, my God, it’s heaven!... Ok, ok, vamos lá ver o que é isso dos pecans


Nozes. Pecans são nozes. Têm uma casca diferente, mas igualmente difícil de abrir sem o descascador, além do que a forma do fruto e até a casca interior são parecidas, e o sabor, verdade seja dita, igual. Todavia, não têm óleo, o que é óptimo. Muito bom, muito bom mesmo. Não me contive e fui verificar as minhas suposições na Wikipedia. Confere. Nozes. Uma espécie de noz – a noz pecã – típica dos EUA. Enfim, nozes. E lembrei-me de casa, do Outono, do Pão-por-Deus e deste último São João na Ribeira do Porto.


Em Junho último, saí na noite de São João pela primeira vez desde que vivo no Porto. Já tinha ido ao São João quando vivia em Braga, mas os encontrões e os alhos porros (e respectivos espirros) não me traziam boas recordações, além do que essa é altura de exames e portanto andava sempre cansada, certamente mais do que os meus alunos. Mas tinha acabado de regressar dos EUA, sem exames, nem alunos, nem cansaço que me tirasse a vontade de: assistir ao Concerto da Casa da Música, ver o fogo de Gaia e ir da Ribeira à Foz... na melhor companhia do mundo! E fui, fomos, e houve encontrões e alho porro, claro, mas não fazia mal, não levavamos a mal, ninguém levava a mal, e portanto quem sou eu (!), e também houve marteladas, a rodos como é da praxe, e correrias e brincadeiras e sustos e foi divertido. Foi. Muito. Mesmo. Mas só até ao momento em que o insólito aconteceu. Imensa gente, imensos grupos, mais ou menos extensos, fazem o mesmo percurso, da Ribeira à Foz, e o inverso também. Pessoas de todas as raças, cores e feitios. De todos os credos, filosofias e religiões. De todas as camadas sociais. O bom do São João é isso mesmo! A mistura. A mistura que só a alegria, o cheiro a manjerico e o orvalho daquela noite proporcionam. Mas nem toda a gente pensa assim, infelizmente.


À nossa frente ia um casal. Já nos tinham martelado a todos, a minha irmã mais nova já lhes tinha retribuído em conformidade, eles riram-se, nós também, eles prosseguiram, nós também, por acaso atrás deles. Eram pessoas simples. Muito novos, provavelmente da nossa idade, trabalhariam os dois há uns bons anos, em alguma fábrica, talvez… Recordo-me bem que não pertenciam a nenhum dos grupinhos à nossa volta, estavam sozinhos, e muito apaixonados. No sentido oposto, o oposto: um grupinho de pipis – pipis são aquelas pessoas que vão para o São João vestidas de gala, ok de preto, de sapatinho engraxadinho, de sandalias com brilhantes e altos tacões e vestidinho e orquídea no cabelo - ela, copo de tinto da mão; fatinho completo – completamente preto – ele e os amiguinhos dele, bebidas na mão - martelos, nem obrigados! Avistámo-los ao fundo. Não passavam obviamente despercebidos. Mas tudo bem. Vimos tanta gente. Eram só mais uns a compor a noite… Depois aconteceu. Casualmente. A rapariga da orquídea tropeçou bem na frente do casal e entornou o tinto no casaco da rapariga simples, no casaco, por acaso grosso de mais para aquela noite de verão e algo tosco, mas que se calhar levou séculos a comprar, com mais dedicação, trabalho e sacrifício que todos os vestidos pretos e orquídeas do mundo, o casaco que porventura a dona teria guardado para aquela ocasiao, para a noite mais especial do ano, ou não, não sei... e a rapariga da orquídea ia pedir desculpa “Ai, desc…” e depois travou a língua, abrandou na palavra e mais não disse: parou... porque a rapariga que estava à espera das desculpas era simples e portanto não merecia a educação da menina pipi. Mas a rapariga simples esperou. Esperámos nós também, atrás. “Então...?” – pedia ela, de forma simples, a sua desculpa. Devida. “Então?! Olha vê lá?!” – respondeu a pipi, displicente, como se o deslize, a soberba, a mancha e a rapariga simples fossem nada. E prosseguiu em frente. Com o rosto, fechado e altivo, típico das pipis que refreiam desculpas. “Viste-me isto?” - Voltou-se a simples para o namorado. “Oh, não ligues!” – dizia-lhe o namorado, abraçando-a. “Mas ela..., tu viste?” Viu, vimos nós também. E tentámos fazer a mesma careta que o namorado lhe tinha feito quando lhe pedia para esquecer, assim que ela, ainda abismada, se voltou para nós. Tentámos. Mas não fomos muito bem sucedidos, creio. Porque ela ignorou-nos, não fez sequer um esforço para sorrir. Olhou para nós e depois para além de nós - não sei se para a noite, se para o grupo de pipis que se perdia nela ao longe, olhou inexpressiva, e depois voltou-se para a frente e aninhou-se, forçosamente pequenina e triste, debaixo do braço do namorado. Porque tínhamos visto. Ela sabia-o. Tínhamos visto. Tudo. Aquela “ela” que não era digna daquela noite, daquela orquídea, nem sequer do casaco tosco que manchou... A rapariga simples encontrou possivelmente conforto no calor do abraço do namorado. Eu não. Na realidade, este episódio retirou-me a alegria e a vontade de estar ali, estragou-me por completo a noite, cansei-me do convívio, aborreci-me a mim e aos meus amigos... Esgotou-me. E por muito tempo.


Depois foi-se. Nunca mais me lembrei disso. Até hoje, por causa da atenção masculina americana aos pormenores da indumentária feminina e das nozes pecãs: aqui – numa terrinha em que reparam em todo e qualquer pormenor – nunca ninguém se recusa a atender com simpatia quem quer que seja, preto, amarelo ou vermelho, nu, vestido em farrapos ou em ouro, nem nas lojas mais chiques, tipo Neiman Marcus, Saks Fifth Avenue, Nordstrom, Macy’s, Tifanny & Co e afins - e sim, já estive em todas. (Mas também não há cá pipis: anda tudo de fato de treino – ou pijama – e havaianas. O mais parecido a pipi aqui devo ser eu (lagarto, lagarto, lagarto!) por alternar os dias de calças de ganga e sapatilhas com dias de saias e sabrinas).


Na interacção ninguém olha a aspectos. Aqui. (Naquela noite nao houve um pipi que pedisse desculpa e todos presenciaram o incidente... e isso preocupa-me, ainda agora, e faz-me pensar nas voltas que a vida tantas vezes dá e no quanto o reverso, se acaso fosse possível, poderia ser educativo para a menina pipi... e companhia.) Aqui, nunca ninguém julga com o olhar, nem se furta a uma desculpa. E eu sinto-me muito bem com isso. Gosto. Lembra-me do meu clã, da minha casa, dos meus amigos - as pessoas com quem nos damos, convivemos e crescemos, dizem muito acerca de nós. E ainda bem. Sou assim, também, e por isso talvez este episódio teve em mim tanto impacto. Magoou-me, e não fui eu a vítima. Continua a magoar-me ainda. Pelo absurdo.

Porque, por muito que a casca seja diferente, por dentro é tudo noz.

Exactamente como as Nozes e os Pecans.

17 comentários:

Maria de Lourdes Beja disse...

Sim Senhora!Não é verdade que"Deus dá nozes a quem não tem dentes"!JJ tem dentes,e que dentes!Prontos a morder,mesmo sem nozes...E depois delas,também,como provado. E AGORA,deixando de brincar: Mais uma vez a sua frescura e muitas,muitas demonstrações daquilo a que chamamos "um carácter".Isto a juntar à sua excelente estruturação narrativa:a fluir,com simplicidade,sem rebuscamentos...como eu gosto.Por isso cá vim,de novo,ao seu encontro. Mª de Lourdes Beja

Joana disse...

Maria de Lurdes,

Tão belas as suas palavras, muito mais que as minhas...
Venha sempre (ao meu encontro), que eu continuo a ir ao seu! ;)

JSilvio,

Concordo: não dá realmente para ler os meus testamentos no trabalho ;) Sorry!
Quanto a bilhardar... ehehehehe... és mesmo madeirense tu (!), fica combinado para um dia destes - em "madeirense" puro que é para os FBIs e as CIAs que controlam o Messenger não perceberem... :P

Jinhos a ambos.

PedraNitas disse...

Boa noite JJ,

antes de mais um obrigado por visitares o meu cantinho :). Quanto á sugestão que colocaste nomeu blog, é algo que eu bem gostaria de realizar, mas que pela falta de tempo nem me meto numa dessas, pois sei de antemão que não o conseguiria manter. Continua a visitar-me e sente-te à vontade para me enviar um mail quando gostares de alguma peça que já esteja vendida, pois por vezes consigo repetir.

beijinhos,

Sandra

Anabela disse...

JJ,

gostei de ler este teu relato.

E a ser verdade, que aí em Houston és o que há de mais parecido com uma "pipi", não te preocupes.

Por fora as pipis valem 0, por dentro tu pareces valer 1000. E tu não tens nada de pipi!

Anónimo disse...

Olá JJ
Bom dia
Gostei de ler o teu texto sobre as nozes e os pecans. Muito bem escrito.
O desenvolvimento do tema está muito bem imaginado, os diálogos que introduzes ora português, ora inglês, as diferentes culturas, as diferentes classes sociais onde sobressai a arrogância e a humilde pacatez, tudo, tudo até à conclusão final, está muito bom.
Por vezes um invólucro não condiz com o seu conteúdo e por vezes invólucros diferentes têm o mesmo conteúdo.
E as minhas imagens? Gostaste? Penso que sim.
Tens que naufragar por aqui, para ver o que há de novo.
Beijinhos

Anónimo disse...

DEI!!!K LINDO FIZEST UMA MORAL!e incluiste me na tua historia..sim eu dei a martelada!D:D:D:Dhehehe!sinceramente ixo paxou m ao lado do pipi..por ixo é k adorei a noite!é triste mas ve se ixo tds os dias..nas artes tba ninguem repara mt na roupa s marka ou nao...mas kriticam de outra forma..é o mundo triste fexado xamado Portugal!vivem d aparencias..e nao de resultados...pq resultados nunca ha nenhuns...em nenhuma area..desde que s esteja em Portugal!portanto..é td noz...mas umas tao boas..e outras podres!bjinhs.Nininha

Joana disse...

Sandra,

Com certeza que o farei, então. Não sabia da possibilidade de repetição. ;)

Anabela,

Pelos vistos estou a passar a imagem certa - porque correspondente a verdade, ainda bem! :)

Rui,

Gosto imenso das suas fotografias. Por isso é que passo no seu cantinho, agora todos os dias! :)

Cockie,

Passou-te ao lado? Na altura recordo-me que não... se calhar agora apenas eu me lembro disso... Hum, e o Nuno e a Teté?... :P

Obrigada pelos comments (todos tão generosos).

Jinhos a todos.

alecerosana disse...

Vim deixar um sorriso :))

Joana disse...

Outro. :)

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