quarta-feira, agosto 26, 2009

As linhas tortas

Os conselhos, se fossem coisas boas e essenciais à vida, nasciam e cresciam connosco, como um órgão que se levasse dentro e nos ajudasse a respirar melhor, a ver melhor, a compreender.

Não sei porquê, tudo vê em mim – sempre – um poço sem fundo de conselhos, dos melhores, mais avisados, mais pertinentes e certeiros, conselhos. Houve tempos em que os dava, e tão naturalmente como um copo de água para matar a sede. Eram os tempos em que tinha o coração cheio de palavras e de esperança, a esperança secreta, segura, de as ver, às palavras, sair à rua um dia. Hoje se tenho algo como certo é que as palavras não saem à rua, nunca saem à rua: valem o que valem, um sopro; duram o mais breve e amargo dos momentos, um enquanto. The ultimate Truth is beyond words. Doctrines are words. They're not the Way. The Way is wordless. Words are ilusions. – já dizia, diz, dirá, e sempre irrefutável, o Oriente.

A Linda foi uma das minha colegas de Departamento nos EUA. Não sei como começou, sei que como sempre, a amizade, a verdadeira, começa sempre igual, cega para o mundo de tanto que conhece, as mais das vezes intuitivamente, a vida, o que realmente importa. E foi assim que, a determinada altura, e quando não saía com o Manu, íamos para todo o lado as duas, a Linda e eu.

A Linda era a pessoa mais sã do meu Departamento – coisas que só se percebem realmente à distância de anos... – e faz-me falta muitas vezes, especialmente quando é Sábado de manhã. Tenho muitas vezes muitas saudades das nossas manhãs de Sábado em que íamos à procura da lã mais bonita para um cachecol ou um gorro, perfect for the european winter, Jo!..., e, paradas nos semáforos, acompanhávamos, como se não houvesse amanhã, os Depêche Mode e os Thompson Twins e tudo o mais que houvesse naquele ipod dela, tão 80s, tão bom.

So, Jo, what about you? Do you think I should invite him for ice-cream? Cause so far, nothing, it’s like he doesn’t see me or understand what I’m implying. Eu e a mania. I think that if you fancy him and he fancies you, he’ll invite you, no doubt. I think Kostas fancies me, not Dan. Eu e a mania. Do you fancy Kostas? Oh no!... Eu e a mania. Well, then perhaps you should be still for a while. To just try to figure out if and who. É claro que o 'give it a go with either one!' da Vica me levou a melhor. Ninguém quer ficar quieto. É claro que a Linda convidou o Dan para o tal gelado. É claro que ele disse que não tinha tempo.

Por isto, e outras histórias mais que não conto ainda, o Manu achava que a única pessoa sã do meu Departamento era eu. O Manu era preconceituoso, daquele preconceito enviesado que se tem muito em Portugal sobretudo quando/se se é homem, disse-lhe eu, que a Linda também era sã, e ele só não conseguia ver isso porque a Linda tinha duas vezes e um bocadinho o meu peso e um cabelo que media mais de um metro e meio. O Manu ria-se, confessava o medo que tinha de ser estrangulado algum dia por aquela trança...; mas mais a sério, achava que a Linda tinha vários problemas, dos quais ainda por cima não tinha noção porque andava a perseguir o Dan. Insistia que além de única pessoa sã do meu Departamento, eu era engraçada, tinha um jeitinho especial de por as coisas, oxalá as coisas não to tirem um dia. E ouve, o Dan não gosta dela. O Manu também era engraçado, ainda é.

Quando vim embora, a Linda esforçava-se por desistir do Dan, esforçava-se por fechar os olhos aos esforços do Kostas, esforçava-se por não parar, nunca ficar quieta. Ninguém quer ficar quieto. – Que conselho é esse, ficar quieto? – conselho de amiga, disse-lhe o que digo muitas vezes a mim própria, então se ela não gosta dele!... A minha mãe não quis saber, disse logo, fazes mal e fizeste mal, então se o Kostas gosta dela!...

Continuo a achar que às vezes é bom ficar quieto. (A minha mãe continua a achar que faço mal.) Continuo a achar que é a maneira mais completa que conheço de estar e de sentir a vida que queremos realmente para nós. Estava quieta quando, na minha festa de despedida, o Dan me pegou ao colo a prolongar um abraço em que, finalmente, percebi. E no entanto, até ao fim, quietos.

A Linda e o Kostas casaram ontem. Foi o evento do ano no Facebook da rede da Rice.

Não há linhas tortas para as mães, acertam sempre.

11 comentários:

Maria Rita disse...

E como eu gosto de saber destas aventuras dos amigos dos States :))
Fantástico, como sempre!

Beijinhos*

Joana disse...

Frida,

É a vida, é a vida. E o que vamos deixando e dando e recebendo. :)))


Jinhos.

ana salomé disse...

e pronto, aqui fico eu a ler com os olhos expectantes e no final aquele sorriso parvo que ninguém aqui entende. E, sim, és uma óptima conselheira. E, sim, a tua mãe está certa. Nem sempre se deve ficar quieto.

Aquele abraço é tão, tão bonito.*

beijinhos, menina das palavras.

Joana disse...

Ana Salomé,

E, sim, Aquele Abraço é, será sempre, isso tudo. :))))

;)

Jinhos.

Vanessa disse...

suspiro. suspiro. suspiro.

vim a correr ler-te assim que pude. :)

beijo grande*

(e sim, és uma óptima conselheira.)

Vanessa disse...

ups... suponho que saibas que a Muriel sou eu! LOL! :p

Joana disse...

Vanessa aka Muriel, :D

Oh, a correr?!, não era preciso. ;)



Jinhos.

P.S. Claro que sabia que és a Muriel. :)))))))

(e sim... vocês, as meninas, aiiiiiiiiii!)

Anónimo disse...

Pois acertam :)
Bonito!

Beijo

Ouriço-Cacheiro disse...

as mães são surpreendentemente sábias. Tenho por aqui uma. Será que adquirimos poderes mágicos no pós o parto? Temos é de as saber ouvir.
Bjos

Joana disse...

Ouriço,

Tenho essa 'aquisição' como natural e certa: há algo de grandioso para além de toda a dor, sempre, não? :D

:))))))))))))))))

Jinhos.

Joana disse...

Testaravida,

;)


Jinhos.