“A senhora sabe a que horas abre a Biblioteca?” “Abre às nove e meia.” “E sabe, se falta muito?” E é aqui. Bem aqui quando olho o sorriso expectante, que eu começo a derreter por dentro e a pensar estes adolescentes descontam o tempo, anda uma pessoa a contar o tempo, uma pessoa envelhece a contar o tempo, contado, o tempo foge, uma pessoa conta todos os dias, sempre, e eles falta quanto?, eles nos descontos. “Faltam quinze minutos, pensavas que abria às nove, era?” “Sim, da última vez que vim para cá abria às nove, a senhora vem cá muitas vezes?”A senhora vem cá, estou velha, mentalizo-me, ou tento, a senhora. “Algumas, e tu, vens ver filmes, é?” “Não. Venho para a net. A da minha casa acabou e agora tenho de...” “A da tua casa acabou como?..., andas a descarregar muitos filmes. E jogos!” “Sim, acho que se acabaram os gigas por causa dos downloads, mais, mais são jogos, sabe?, alguns filmes também, mas...” Os gigas e os downloads, sou mesmo senhora, velha, velha, velha, está visto, ou melhor: ouvido, está ouvido e registado, assente.
“A senhora quer uma pastilha?” “Não, obrigada, também tenho.” Depois de derretido, o meu sorriso incontido, deliciado pelo à-vontade e pelo desprendimento, o meu sorriso de sempre, a esbarrar-lhe na mochila que começa a abrir, na t-shirt amarelo forte, nas adidas de um amarelo incrivelmente igual. Adolescentes. Os adolescentes, todos, e a senhora. “Destas?” Trident frutos silvestres. A senhora às vezes tem dessas, mas hoje não calhou. “Não, destas. Mas a marca é a mesma, vês?!” Mostro-lhe, ele ri-se. Acabamos por nos rirmos os dois, reconhecemo-nos, de alguma forma. A senhora permanece na nuvem, como se o reconhecimento a embalasse e levasse para um outrora, longe, longe, longe. A senhora recorda-se de quando era stôra. “Falta muito?” Os adolescentes e a pressa outra vez. Os adolescentes e nenhum relógio. “Cinco minutos.” “Cinco minutos é muito tempo, não acha?” “Depende. Mas neste caso não, não acho. Já cá estamos há dez e passou rápido, não?” “Sim, por acaso!... A senhora mora onde?”
Está uma menina lá em baixo, no jardim, a olhar cá para cima. É uma menina que conheço porque vem cá acima, costuma vir, a meio das tardes, todas as tardes, à procura do pai, normalmente ali à frente nos computadores. Conheço-a antes de passar por mim, conheço-a quando passa a porta e, de certeza, olha-me as costas, conheço-a quando passa ao lado de quem estiver na mesa atrás da minha com o fito nas costas do pai ali em frente, conheço-a, conheço-lhe o andar pequenino de passarinho. Tic, tic, tic, tic, tic, tic, tic.
Sorrio-lhe. O costume. Um sorriso que ela não retribui, não percebe, finge não ver. Regresso às minhas coisas. Eu que queria um sorriso de passarinho de volta, eu a pensar naquele andar de todas as tardes, a meio da tarde, tic, tic, tic, tic, tic, tic, tic, eu a ver a malinha que costuma teimar em deslizar do ombro com a pressa, tic, tic, tic, a mão pequenina que põe e repõe o arquinho do cabelo ao passar, com a pressa, tic, tic, tic.
Talvez daqui a uns seis, sete anos, à espera da abertura de uma Biblioteca qualquer, quem sabe...
“A senhora quer uma pastilha?” “Não, obrigada, também tenho.” Depois de derretido, o meu sorriso incontido, deliciado pelo à-vontade e pelo desprendimento, o meu sorriso de sempre, a esbarrar-lhe na mochila que começa a abrir, na t-shirt amarelo forte, nas adidas de um amarelo incrivelmente igual. Adolescentes. Os adolescentes, todos, e a senhora. “Destas?” Trident frutos silvestres. A senhora às vezes tem dessas, mas hoje não calhou. “Não, destas. Mas a marca é a mesma, vês?!” Mostro-lhe, ele ri-se. Acabamos por nos rirmos os dois, reconhecemo-nos, de alguma forma. A senhora permanece na nuvem, como se o reconhecimento a embalasse e levasse para um outrora, longe, longe, longe. A senhora recorda-se de quando era stôra. “Falta muito?” Os adolescentes e a pressa outra vez. Os adolescentes e nenhum relógio. “Cinco minutos.” “Cinco minutos é muito tempo, não acha?” “Depende. Mas neste caso não, não acho. Já cá estamos há dez e passou rápido, não?” “Sim, por acaso!... A senhora mora onde?”
Está uma menina lá em baixo, no jardim, a olhar cá para cima. É uma menina que conheço porque vem cá acima, costuma vir, a meio das tardes, todas as tardes, à procura do pai, normalmente ali à frente nos computadores. Conheço-a antes de passar por mim, conheço-a quando passa a porta e, de certeza, olha-me as costas, conheço-a quando passa ao lado de quem estiver na mesa atrás da minha com o fito nas costas do pai ali em frente, conheço-a, conheço-lhe o andar pequenino de passarinho. Tic, tic, tic, tic, tic, tic, tic.
Sorrio-lhe. O costume. Um sorriso que ela não retribui, não percebe, finge não ver. Regresso às minhas coisas. Eu que queria um sorriso de passarinho de volta, eu a pensar naquele andar de todas as tardes, a meio da tarde, tic, tic, tic, tic, tic, tic, tic, eu a ver a malinha que costuma teimar em deslizar do ombro com a pressa, tic, tic, tic, a mão pequenina que põe e repõe o arquinho do cabelo ao passar, com a pressa, tic, tic, tic.
Talvez daqui a uns seis, sete anos, à espera da abertura de uma Biblioteca qualquer, quem sabe...
8 comentários:
a mim chamam-me miúda. olha que não sei o que é melhor!
um sorriso de passarinho sai já a voar para aí: toma lá! :D
beijinho*
Vanessa,
Sei eu. :D Miúda, é *definitivamente* melhor! ;)
Sorriso guardado no bolso. Thanks!
Jinhos.
que coisa magnífica, menina.
acho que, pela descrição maravilhosa, ele se encontra mesmo atrás de mim sem largar o seu portátil por um único segundo. :)
- a partir dos 18 chamaria senhora a qualquer uma. eh eh os adolescentes são lindos.
beijinhos
Ana Salomé,
Encontra-se sim, menina!
(Espreitei cá de cima. É ele!...)
Jinhos.
ehehehhe!
...é por essas e por outras que o inglês é tão confortável!
Beijicos
Rosário,
Ah, pois é! ;)
Jinhos.
É impressionante a forma como transformas coisas simples do dia a dia em coisas magnificas de se ler!
Beijinhos*
Frida,
As coisas simples do dia-a-dia são as mais bonitas - porventura as *únicas* bonitas...
Que bom achares que consigo operar essa transformação!... ;)
Jinhos.
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