A mais dura aprendizagem da vida é a da nossa convivência com a morte. A maneira como a vemos, olhando-a de frente ou não a olhando de todo, colando-a à ciência, à biologia, ou (des)enraízando-a da ou na religião, valorizando o agora da vida e do mundo apenas, apostando a vida e o mundo e todos os agoras num sempre do depois. O que for. Como o entendamos.
A mais dura aprendizagem da vida é a da nossa convivência com a morte que a própria vida nos dá tantas vezes. As primeiras aprendizagens de morte são justamente as da morte em vida. Das pessoas que nos morrem, das pessoas que continuamos a levar dentro com o mesmo rosto iluminado, o mesmo riso, a mesma nossa sempre eterna ternura, o mesmo encanto daquele primeiro momento em que nasceram em nós, e para sempre. As primeiras aprendizagens de morte que a vida nos dá são as daquelas pessoas que nos morreram um dia, e para sempre, mesmo se continuam a viver, mesmo quando continuam a viver os dias, todos os dias desde esse, nas suas casas, nos seus empregos, nas suas tardes de amigos e sol, o mesmo riso, o mesmo encanto, o mesmo rosto iluminado agora por outros rostos e outras ternuras.
As pessoas morrem-nos mas de alguma forma, uma inefável, se foram nossas, se nos arderam o coração um dia - é assim quando são nossas - sobrevivem-se para permanecer em nós, sobrevivem-se como se para se cumprirem finalmente. Permanecem em nós, e para sempre. Também. Enquanto a vida corre, o mundo avança e a Terra gira.
Recebi ontem uma mensagem da Irmã Maria do Céu, uma amiga muito, muito querida, a dar conta da morte do pai no início desta semana. Quis ligar-lhe logo, mas não consegui. Estive a pensar nisto que acabo de escrever e no quanto às vezes, reflexo imediato não sei bem de quê, tendemos a olhar os religiosos como pessoas imunes ao mais completo e devastador sentimento de perda que nos traz sempre a morte, no quanto fugimos a ouvi-los como medo que o consolo que lhes queremos dar seja vão, no quanto tendemos a falar-lhes como a pessoas de outro mundo, pessoas com o coração perfeito de Deus a perceber todos os caminhos, a ver para além de todos os escolhos, a esperança e as certezas todas à frente de toda a humanidade que é sobretudo angústia nestas horas, a fé a devorar-lhes todas as lágrimas no âmago mais dentro antes, muito antes, de lhes assomarem aos olhos.
Liguei-lhe esta manhã cedo. Ainda temi acordá-la, mas se bem me lembro no Lar acordávamos ambas à mesma hora, tomávamos banho e secávamos o cabelo à mesma hora, preparávamos o pequeno-almoço à mesma hora. Somos muito próximas – em todos os sentidos que o adjectivo possa ter. Sou muito palerma também, nunca na vida a vi como uma pessoa imune ao que quer que fosse – a distância provoca estas precipitações e estes esquecimentos, julgo – nunca na vida nos vimos como pessoas imunes ao que quer que fosse. É assim, somos assim.
Claro que está com a mesma alegria serena de sempre, Joaninha, querida, então?..., já tinha saudades suas, sabe? isto de pormos as novidades em dia por e-mail não é bem a mesma coisa..., as mesmas preocupações de sempre comigo, ai, sempre a mesma!, está tudo bem... e a sua mãe?, a mãe e aquele tom triste na voz, aquele fio fino, a dor mais pura, mais aguda, a escorrer do fundo das palavras, ... e permanecem em nós, e brilham connosco quando brilhamos, estão no fim do nosso sorriso, não é? Pois... Concordamos sempre. Continuamos a concordar sempre.
- Oh Irmã, um dia temos que discordar, pode ser?
- Pode.
A mais dura aprendizagem da vida é a da nossa convivência com a morte que a própria vida nos dá tantas vezes. As primeiras aprendizagens de morte são justamente as da morte em vida. Das pessoas que nos morrem, das pessoas que continuamos a levar dentro com o mesmo rosto iluminado, o mesmo riso, a mesma nossa sempre eterna ternura, o mesmo encanto daquele primeiro momento em que nasceram em nós, e para sempre. As primeiras aprendizagens de morte que a vida nos dá são as daquelas pessoas que nos morreram um dia, e para sempre, mesmo se continuam a viver, mesmo quando continuam a viver os dias, todos os dias desde esse, nas suas casas, nos seus empregos, nas suas tardes de amigos e sol, o mesmo riso, o mesmo encanto, o mesmo rosto iluminado agora por outros rostos e outras ternuras.
As pessoas morrem-nos mas de alguma forma, uma inefável, se foram nossas, se nos arderam o coração um dia - é assim quando são nossas - sobrevivem-se para permanecer em nós, sobrevivem-se como se para se cumprirem finalmente. Permanecem em nós, e para sempre. Também. Enquanto a vida corre, o mundo avança e a Terra gira.
Recebi ontem uma mensagem da Irmã Maria do Céu, uma amiga muito, muito querida, a dar conta da morte do pai no início desta semana. Quis ligar-lhe logo, mas não consegui. Estive a pensar nisto que acabo de escrever e no quanto às vezes, reflexo imediato não sei bem de quê, tendemos a olhar os religiosos como pessoas imunes ao mais completo e devastador sentimento de perda que nos traz sempre a morte, no quanto fugimos a ouvi-los como medo que o consolo que lhes queremos dar seja vão, no quanto tendemos a falar-lhes como a pessoas de outro mundo, pessoas com o coração perfeito de Deus a perceber todos os caminhos, a ver para além de todos os escolhos, a esperança e as certezas todas à frente de toda a humanidade que é sobretudo angústia nestas horas, a fé a devorar-lhes todas as lágrimas no âmago mais dentro antes, muito antes, de lhes assomarem aos olhos.
Liguei-lhe esta manhã cedo. Ainda temi acordá-la, mas se bem me lembro no Lar acordávamos ambas à mesma hora, tomávamos banho e secávamos o cabelo à mesma hora, preparávamos o pequeno-almoço à mesma hora. Somos muito próximas – em todos os sentidos que o adjectivo possa ter. Sou muito palerma também, nunca na vida a vi como uma pessoa imune ao que quer que fosse – a distância provoca estas precipitações e estes esquecimentos, julgo – nunca na vida nos vimos como pessoas imunes ao que quer que fosse. É assim, somos assim.
Claro que está com a mesma alegria serena de sempre, Joaninha, querida, então?..., já tinha saudades suas, sabe? isto de pormos as novidades em dia por e-mail não é bem a mesma coisa..., as mesmas preocupações de sempre comigo, ai, sempre a mesma!, está tudo bem... e a sua mãe?, a mãe e aquele tom triste na voz, aquele fio fino, a dor mais pura, mais aguda, a escorrer do fundo das palavras, ... e permanecem em nós, e brilham connosco quando brilhamos, estão no fim do nosso sorriso, não é? Pois... Concordamos sempre. Continuamos a concordar sempre.
- Oh Irmã, um dia temos que discordar, pode ser?
- Pode.
4 comentários:
mesmo a falar da morte há chocolate acetinado nas palavras:)
Alguém disse que "todos nascemos com uma doença incurável que é a morte. esperamos que tal como outra doença, ela nos leve a qualquer momento" mas esta toca-nos realmente quanto se lembra de nos levar alguém que nos é querido ou é querido de alguém de quem gostamos. Neste momento, aguardo o momento em que essa fingida leve o meu tio Alexandre, que me disseram que hoje começou a tomar Morfina, e que me levava ao futebol, que me fez portista fiel e me empanturrava com bolos e sumos na Confeitaria do Bolhão; que me comprava os brinquedos mais sofisticados que nem eu conhecia ainda. só porque eu era o filho que ele nunca tinha recebido.
É triste, demasiado definitiva mas suponho que é mais fácil de aceitar para alguém que crê em Deus,numa estrada para além da estrada. Certo?
Certo, Comboio. :)))
Para ti, beijinhos! meus em quantidade 'empanturrante'.
lembrei-me do «Paris Nunca se Acaba», do Vila-Matas. A dada altura, como exemplo da frase mais amargamente irónica que conhece, cita o epitáfio que Marcel Duchamp escreveu para si próprio (e que consta na sua lápide): «Bem vistas as coisas, são sempre os outros que morrem».
Moço,
Quanta sabedoria na amargura e na ironia!...
Jinhos.
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